Na presidência da Frelimo e da República
“Uma vez que Armando Guebuza já afirmou que não está interessado num terceiro mandato, terá o senhor pretensão de lhe suceder?”. Chipande afirmou: “Ainda não chegou o momento. Eu trabalhei para a Frelimo desde a sua fundação, com Eduardo Mondlane, Samora Machel, Joaquim Chissano, e agora com Guebuza. Em todos esses anos trabalhei, mesmo para o Acordo Geral de Paz”. Feita a mesma pergunta, sobre ele próprio, a Henriques Bongesse, Primeiro Secretário Provincial da Frelimo em Sofala, ele apenas comentou: “Essa pergunta é pesada. Estou de férias”.
O debate em torno da sucessão de Armando Guebuza no cargo do presidente da República de Moçambique já está em marcha. Na semana finda, a Reportagem do Canal de Moçambique – Semanário e do Canalmoz – Diário Digital contactou duas figuras proeminentes no seio do partido Frelimo: Alberto Chipande e Henriques Bongesse. Quanto à primeira figura, só o conseguimos ouvir depois do fecho da edição da semana passada do Canal de Moçambique. Num contacto telefónico com a nossa Reportagem, Chipande não descartou a possibilidade de ele vir a suceder a Guebuza, tendo condicionado o facto à decisão do partido Frelimo.
A pergunta que colocámos a Alberto Chipande foi a seguinte: “Uma vez que Armando Guebuza já afirmou que não está interessado num terceiro mandato, terá o senhor pretensão de lhe suceder?”.
Chipande afirmou: “Ainda não chegou o momento. Eu trabalhei para a Frelimo desde a sua fundação, com Eduardo Mondlane, Samora Machel, Joaquim Chissano, e agora com Guebuza. Em todos esses anos trabalhei, mesmo para o Acordo Geral de Paz.”
Voltámos à carga, afirmando que gostaríamos que nos respondesse “sim” ou “não” à pergunta que lhe colocámos. Então Chipande não descartou o seu interesse: “Eu não sei. A Frelimo é quem sabe”.
Perante as habilidades de Chipande, colocámos-lhe a mesma questão noutros moldes: “O senhor não estará interessado em ser o sucessor de Guebuza?”.
Chipande respondeu-nos com outra pergunta: “Como é que se faz isso?”.
“O senhor é político, tem uma trajectória longa, e por isso bem pode dizer-nos como é que isso se faz.” – insistimos.
“Este não é o nosso método de trabalhar. Não é a primeira pessoa que me lança essa pergunta, mas vou-lhe dizer que estas pressões vêm de fora do partido. A Frelimo tem a sua forma de fazer as coisas.” – respondeu.
Seja como for, ficou explícito que Alberto Chipande não afasta a hipótese de ele vir a herdar o lugar de Guebuza, até porque os diferentes grupos da sociedade moçambicana têm discutido sobre a eventualidade de a sucessão de Guebuza abrir lugar à “verdadeira unidade moçambicana”, no lugar de, já lá vão 50 anos, a liderança da organização vir sendo preenchida por originários do Sul do país.
Embora tanto se fale de uma liderança da “nova geração” – o que deu origem à invenção ideológico-partidária da “Geração da Viragem” –, tudo indica que Alberto Chipande pode vir a suceder a Armando Guebuza, por uma razão de causa e efeito, nomeadamente o facto de a História de Moçambique – fabricada pelo partido Frelimo –lhe atribuir a autoria do “Primeiro Tiro”, no início da luta armada de libertação nacional. De acordo com vozes que falam em surdina do interior do partido Frelimo, Chipande é apontado como o homem imediatamente a seguir a Armando Guebuza na lista pré-acordada no que diz respeito à sucessão hereditária ou colateral. Informações que o Canalmoz e o Canal de Moçambique classificam como irrebatíveis dizem que a lista remonta a um pacto entre os camaradas da “nomenklatura” frelimista: Samora Machel, Marcelino dos Santos, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Alberto Chipande.
Um dado certo é que este tipo de assunto nunca foi pacífico, como aparenta ser. Importa referir que nos últimos anos do seu Governo, Samora Machel vinha deparando com dissidências, tanto ao nível do seu partido, como das Forças Armadas. A título de exemplo, considere-se a carta-aberta posta a circular em Maputo a seguir ao desastre de Mbuzini, e quando ainda não se tinham realizado as exéquias do malogrado presidente. Da autoria dos “Veteranos da Luta Armada”, termo normalmente associado a membros do partido no poder, tanto políticos como militares, mas ambos provenientes do período da guerra pela conquista da Independência, o documento pôs a descoberto os contornos do descontentamento que grassava no seio do regime da Frelimo, para além de estabelecer os parâmetros em que se processaria a sucessão após a era de Machel. Marcelino dos Santos, o “Número Dois” na hierarquia da Frelimo, na lógica do centralismo democrático em que se empenhara desde os primórdios da fundação desse movimento, sentia-se no direito de se guindar à posição cimeira do partido e, por inerência, à chefia da Nação. O “Número Três” na mesma hierarquia, Joaquim Chissano, faria gorar os planos do seu rival e dos que a ele se haviam, entretanto, aliado, jogando para o efeito a cartada étnica, sintomaticamente realçada na carta-aberta que circulou no país logo após a morte de Machel. O pendor anti-racista, que vinha sendo ardentemente agitado pela direcção da Frelimo desde as grandes crises internas de 1967-69, passaria à história, tal como o seu finado defensor, arrastando consigo os que dele mais haviam beneficiado, tal como escreve João Cabrita no seu livro “A Morte de Samora”. Seja como for, Chipande é tido como o quinto nessa linha. O General do Exército Alberto Chipande, agora com 72 anos de idade, quando disparou o hipotético “Primeiro Tiro” tinha então 26 anos. Em 2014, Chipande fará 76 anos, e outras duas figuras que rivalizaram com Armando Guebuza, em 2009, são mais novas do que ele: Afonso Dhlakama (61 anos) e Daviz Simango (50 anos, filho do então vice-presidente da Frente de Libertação de Moçambique, Uria Simango).
O antigo presidente da Frelimo, Joaquim Chissano (1986-2004) tentou sem sucesso quebrar a linha de sucessão hereditária-hierárquica dentro da Frelimo, quando deu azo a que jovens da “nova geração” concorressem ao lugar:
Hélder Muteia, Felício Zacarias, entre outros, mas a ala radical rechaçou-os. De Hélder Muteia, originário da província da Zambézia, conhece-se a sorte que teve posteriormente. Felício Zacarias, natural de Manica, idem. Começou por não ser votado para membro do Comité Central no IX Congresso, descambando no seu afastamento do actual Governo, depois de ter sido ministro das Obras Públicas no primeiro mandato de Guebuza.
Luísa Diogo (Tete) e Eduardo Mulémbwè (Niassa) caíram também em desgraça, sob o desígnio dos homens da “linha correcta”. A questão de sucessão na Frelimo promete pano para mangas, quando há também que se ter em conta os indícios de que os fiéis a Joaquim Chissano não se safam à purga.
Apesar de Alberto Chipande não ter declinado a sua intenção de um dia ser presidente da Frelimo, em contacto connosco ele foi dizendo:
“Não sou eu quem vou dizer sobre a sucessão. Estamos em democracia. Você sabe como é que se faz?” – retomou a pergunta, tudo indicando que remeteu a solução para o X Congresso do “Batuque e a Maçaroca”. Porém, a entrada de um candidato jovem está dependente da renovação ao nível do Comité Central, dominada em mais de 50% pela “velha guarda” e “históricos”.
Primeiro Secretário Provincial da Frelimo em Sofala foge com o rabo à seringa
Nos mesmos moldes, perguntámos ao Primeiro Secretário provincial do partido Frelimo, Henriques Bongesse, se estaria interessado em suceder a Armando Guebuza no cargo de presidente da Frelimo e da República, ao que ele nos respondeu: “Esta pergunta é pesada. Estou de férias. Falamos depois.”
Refira-se que Chissano contribui para pôr termo à preponderância exercida pela geração que combateu o colonialismo, enquanto Guebuza voltou a dar primazia a esta geração na tomada de decisões. De facto, Guebuza tem contado com o apoio activo de Alberto Chipande, Marcelino dos Santos e Graça Machel na sua governação, o que significa que a “geração de Nachingweia” poderá não introduzir mudanças substanciais na transição do testemunho, mantendo a cançoneta “renovação na continuidade”. São muitos os que vieram de Nachingweia e que continuam aliados ao exercício do poder político em Maputo. Samora Machel e Sebastião Mabote morreram. Mas a maioria, que simulou afastar-se da política, tem assumido protagonismo nos grandes eventos do partido e dentro do Comité Central: Marcelino dos Santos, Mariano Matsinhe, Óscar Monteiro, Jorge Rebelo, Jacinto Veloso e Sérgio Vieira.
Lembre-se que Alberto Chipande (que é maconde) foi Ministro da Defesa Nacional de 1975 até à década de 90. Foi também ele que pôs termo às infindáveis discussões no Bureau Político da Frelimo, quando ainda não se sabia quem iria suceder a Samora Machel, acabado de desaparecer no acidente de aviação em Mbuzini, próximo da Namaacha, em território sul-africano. Conta-se que, já farto de conversas, o “Velho Maconde” deu o veredicto: “O presidente da Frelimo é o camarada Joaquim Alberto Chisssano”, e foi-se embora.
Será que Chipande ainda manda alguma coisa na Frelimo, e que a hipótese do avanço de Armando Guebuza para um terceiro mandato foi quebrada pelo facto de ter chegado a hora de alguém que é do Norte? O futuro o dirá.
(Adelino Timóteo)
CANALMOZ - 23.04.2010
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