BLOG DEDICADO À PROVINCIA DE NAMPULA- CONTRIBUINDO PARA UMA DEMOCRACIA VERDADEIRA EM MOCAMBIQUE

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ALL MENKIND WERE CREATED BY GOD AND ARE IQUAL BEFORE GOD, AND THERE IS WISDOM FROM GOD FOR ALL

Thursday, February 11, 2010

SITUAÇÃO SOMBRIA NA FRELIMO, por Uria. T. Simango (1969)




A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) foi formada em Junho de 1962 como resultado da fusão de três organizações políticas: UDENAMO, MANU e UNAMI. As pessoas que fi-nalmente trouxeram esta unidade, e que há quatro anos desertaram, são os senhores Mateus Mmole, presidente da MANU, Adelino Gwambe, presidente da UDENAMO e muitos outros que na época estavam em Dar-Es-Salam.

A unificação dessas organizações foi o mais importante acon-tecimento realizado pelo povo na luta contra o colonialismo portu-guês. Este acontecimento encontrou uma forte oposição de elementos individualistas que entendiam que este processo podia diminuir-lhes a possibilidade de alcançar posições importantes na política. Este processo, que visava juntar, fortificar e dar uma impressionante força a luta contra o colonialismo e o imperialismo, não agradou aos inimigos da liberdade e da independência. Contudo, apesar dos esforços empreendidos para evitar a formação da Frente de Libertação, o desejo do povo moçambicano realizou-se.

O objectivo a atingir - a independência de Moçambique do domínio colonial - era o princípio guia para aceitar membros na Frente. Isto quer dizer que todo o moçambicano, independentemente do seu credo, sexo ou ideais políticos, podia ser membro se aceitasse as regras e programa da Frente. Na opinião dos fundadores, a Frente visava conduzir as massas populares moçambicanas de raça negra que sofriam sob o jugo colonial português, na luta pela liberdade e independência. A unidade e luta, tinham como base o moçambicano e nacionalista africano. Esta orientação que guiou os fundadores da Frente de Libertação, ajudou a reunir todos os membros das organizações anteriores e outros na consolidação da Frente e da luta.


1968. o ano das dificuldades.

Havia dois grandes focos de dificuldades: O Instituto Moçambicano e a província de Cabo delgado.

1. Instituto Moçambicano: Os estudantes no Instituto Moçambicano eram contra a presença física de portugueses como seus professores por razões óbvias. Para eles, isso era uma outra forma de colonialismo, o mais perigoso, lavagem cerebral (doutrinação). Deve-se aqui dizer, que talvez não estavam conscientes do real perigo que ocupou o movimento. Embora eles tenham vindo como técnicos, os portugueses estavam determinados, por vias de astúcia a infiltrar-se no Comité Central como membros. Marcelino dos Santos jogou um papel muito importante para alcançar esse objectivo, na base de que eles eram também moçambicanos como as populações negras; de que não deviam ser discriminados (...)

Deve-se esclarecer que os estudantes, não estavam contra professores de raça branca como alguns tendem a difundir. Havia outros professores brancos, dos Estados Unidos, da Índia, da Re-pública Democrática Alemã e Checoslováquia, mas nunca se exigiu o seu afastamento. Para eles, o problema não era de raças mas sim de um grupo de pessoas que podiam estar na organização numa missão do Governo português. Convenceram-se a si próprios de que esses elementos, estavam na organização para esse propósito.

A participação do Padre Gwengere no problema do Instituto moçambicano e em outros assuntos da Frelimo, era uma expressão de simpatia e solidariedade com seu próprio povo .

É necessário fazer um breve comentário sobre as raças. A reunião do Comité Central de Setembro de 1968, discutiu a questão de empregar estrangeiros na organização para tarefas técnicos. Se bem que alguns membros fossem contra o emprego de pessoas de nacionalidade portuguesa, a maioria aprovou a proposta, com a condição de que eles teriam que aceitar a política da FRELIMO e não interferir nos assuntos da organização. Alguns camaradas duvidaram, e até recusaram-se aceitar isso. Não no emprego de estrangeiros de países amigos, mas apenas portugueses. Como se viu na reunião, ninguém era contra a presença de brancos como tal para ajudar na organização. Os que recusaram, basearam-se em experiências anteriores da maioria dos problemas surgidos. Eles (os Portugueses) queriam ser membros do Comité Central. Dizer que há racismo na FRELIMO não é verdade, mas há o espírito de vigilância de modo a prevenir infiltrações e interferências imperialistas, em defesa da revolução e interesses do povo.

A questão da definição sobre quem é moçambicano para estabelecer um estatuto legal claro de muitas nacionalidades que se encontram em Moçambique: Portugueses, Ingleses, Franceses, Suíços, Belgas, etc, foi decidido pelo encontro de Setembro de 1968 que seria discutida pela sessão de Março de 1969, o que infelizmente não foi debatido.

2. Província de Cabo Delgado:

Um ano depois da formação da FRELIMO, criamos um Se-cretariado organizativo e James Msadallah, que até então era Se-cretário das Finanças, foi indicado Secretário da Organização.

Ao fim um ano, o trabalho de organização política foi dividido em duas partes: interior e exterior. Foi nessa base que Lázaro Nkavandame foi nomeado Chairman regional da província de Cabo-Delgado, posição hoje conhecida como secretário provincial. De acordo com a nossa constituição um secretário provincial é o dirigente máximo da província, política e militarmente. Abaixo dele estavam os chairmen de distrito e locais. Em 1967 decidimos que o comandante provincial do exército em cada província seria o número dois a seguir ao secretário provincial.

Muitas reclamações sobre tratamentos de doenças e des-necessárias punições capitais de combatentes e do povo em geral chegaram à sede. Chegou-se a uma fase alarmante no início de 1967, particularmente com reclamações vindas da Província de Cabo Delgado. Quando interrogados os dirigentes militares recusam estar a praticar isso. Nos finais de 1967 os dirigentes políticos de Cabo Delgado {chairmen e o Secretário provincial) acusaram a direcção da FRELIMO de dar instruções (permissão) para o exército matar como lhe agradasse.

O número de desertores de Cabo Delgado e Massa cresceu bruscamente. Houve muitos factores, mas uma das razões dadas era que havia assassinatos impiedosos de combatentes e punições severas por pequenas ofensas, mesmo de caracter pessoal. Isto era mais frequente na província de Cabo Delgado.

A situação tornou-se mais séria no final de 1967 e princípios de 1968, quando os chairmen de Cabo Delgado, por iniciativa própria, anunciaram que não devia haver mais punições desta natureza que estavam sendo aplicadas na província. A cooperação entre os líderes políticos e o exército decresceu imensamente. Os que desertavam do exército para as vilas encontravam protecção nas massas de modo que não se podia recuperá-los. Cada vez mais amedrontado, os chairmen solicitaram ao Comité Central que convocasse um Congresso para discutir os problemas na organização. Quando o Congresso tomou lugar em Julho de 1968, os chairmen e o Secretário Provincial não compareceram. Os chairmen alegaram que havia um plano para matá-los se no Congresso não concordassem com as opiniões da delegação militar de Cabo Delgado. Tudo foi feito para convencê-los de que nada disso aconteceria, mas eles mantiveram a sua posição. Recusaram-se a aprovar as decisões do Congresso e convocaram uma conferência em Mtwara e convidaram membros da TANU para estarem presentes. Rejeitaram a liderança da FRELIMO (Dr. Mondlane) e exigiram que ele se demitisse e se ele continuasse, eles iriam separar-se e liderariam a luta na província de Cabo Delgado em nome da FRELIMO, podendo deste modo continuar a contribuir na libertação de todo o país. Por essa mesma razão, o assassinato em massa de combatente e população, e porque isso seria impossível sem a bênção dos dirigentes, recusaram os conselhos da TANU de que o princípio da separação é errado para ser bem sucedido.

Reuniões subsequentes tentaram persuadi-los a regressarem para as províncias e ocuparem seus postos mas não foi possível convencê-los da alternativa, e ficou-se num impasse. A seguir a isto, eles organizaram-se para impedir a deslocação de qualquer dirigente da FRELIMO para o interior da província e foi deste modo que o camarada Kankhomba foi morto em Dezembro de 1968.

Em Fevereiro de 1969, o Dr., Mondlane morreu de explosão duma bomba na casa de uma amiga, perto da Baia das Ostras em Dar-Es-Salam. Os Problemas na Frelimo começaram na fundação da organização em 1962 com Adelino Gwambe, Paulo Gumane, David Mabunda, Leo Milas, etc, que neste momento não estão na organização; mas atingiram um grau mais sério no início do fim de 1965 e em 1966 com a pressão para remover Filipe Magaia do comando militar e substituí-lo por Samora Machel. Essa tentativa foi fortemente contrariada até ele ser morto em Outubro de 1966, em Moçambique, por um soldado nosso cujo caso está ainda pendente.

Chegamos a um certo tempo em que um pequeno grupo de pessoas se reuniam para tomar decisões e anunciar que o Comité Central decidiu; infelizmente, todos elementos de uma região, o Sul. Deixou de haver debates francos dos problemas e reuniões regulares dos Comités Executivo e Central.

SITUAÇÃO PRESENTE

Os problemas acima mencionados destinam-se a dar uma conexão com os presentes acontecimentos na organização que não são menos sérios. Existem pessoas na organização que apresen-tam/desenvolvem a teoria de que há dois grupos na organização, um liderado pelo Dr. Mondlane e outro por Uria Simango. Refuto esta teoria e afirmo que existe apenas um grupo, o primeiro, e os factos abaixo mencionados provarão que isso é verdade. No entanto, penso que é preciso dizer que existem muitas pessoas na organização que pensam que algumas das nossas acções políticas não são correctas. Essas pessoas não constituem um grupo organizado contra alguém, mas quando são informados sobre essas más politicas eles dizem suas opiniões. E possível que haja duas ou mais pessoas que não concordam com certas decisões ao mesmo tempo. Os problemas que dividiram o Comité Central são como os do Ins-tituto Moçambicano que alguns opinavam que devia ser dirigido e controlado pela FRELIMO e outros sustentavam que devia ser independente. Porque o primeiro grupo tinha razão, o Instituto foi nacionalizado em 1968, quando a FRELIMO pela primeira vez teve a prerrogativa de nomear o director da Escola Secundária. Todavia, há distorções de decisões relativas ao Instituto Moçambicano e algumas coisas que precisam de ser esclarecidas. Como é que esses problemas serão resolvidos é ainda um ponto de interrogação.

Há uma tendência de dizer que estamos divididos quanto a ideologia. Isto só pode significar divergências sobre questões eco-nómicas, religiosas, sociais, etc. Concordo que a ideologia é muito importante, mas nunca deve ser considerada como factor de unidade ou de divisão das forças de libertação de Moçambique nesta fase, se todas elas estiverem de acordo e aceitarem os princípios fundamentais: a) libertar Moçambique da dominação colonial portuguesa e b) através da luta armada. Hoje em dia a nossa luta não é essencialmente uma luta ideológica ou de classe, é uma luta de massas contra a dominação estrangeira, contra o colonialismo português, pela liberdade e independência dessas massas. A questão do socialismo científico e do capitalismo em Moçambique não devia dividir-nos, embora se torne um problema obrigatório numa fase mais avançada da luta. Isto não deve ser interpretado de forma a significar que devemos permitir ou desenvolver um grupo burguês ou orientado para o capitalismo dentro da FRELIMO, pois o nosso objectivo é emancipar o nosso povo completamente... este é o nosso compromisso. A questão de se pessoas com antecedentes religiosos devem participar na administração do país é um problema que também terá que ser estudado mais tarde. É errado dizer que estamos a implantar o socialismo no país, pois afirmá-lo apenas revela a nossa ignorância do que é o socialismo. Dizer que não estamos a construir o socialismo agora não significa que no futuro não o possamos realizar. Portanto, se actualmente existe uma classe burguesa indígena, e se ela está disposta a contribuir para a libertação do nosso país, temos que aceitar a sua cooperação, pois dado que a nossa luta está dividia em diversas fases, a primeira fase é a fase de libertação nacional com todo o povo sem discriminação baseada na seita, credo, condição de riqueza, etc. Felizmente não existe uma classe burguesa indígena que tenhamos que enfrentar. Por outro lado, ainda não somos suficientemente fortes para combater os portugueses e seus aliados e simultaneamente travar uma guerra contra uma classe burguesa nacional. Se eles (burgueses) existissem, teríamos que os mobilizar para lutarem connosco contra o inimigo comum. Está claro que dentro da organização temos que combater todas as formas de corrupção, reaccionarismo e burguesismo, usando a nossa máquina de educação política. Torna-se portanto ridículo desperdiçar as nossas energias ao ponto de destruirmos a nossa unidade combatendo um suposto inimigo, a classe burguesa, com intenção de impressionar alguém, se é que existe alguém que se impressione com isso...

A nossa organização continua afectada por uma doença. Seria hipocrisia afirmar que os graves problemas da crise de 1968 estão resolvidos. Alguns sentem a presença de uma desmoralização geral e há o espírito de deixa andar em muitos membros do Comité Central. Outros, rapidamente dizem que esses são indisciplinados ou contra-revolucionários. É bom afirmar isso, mas devíamos primeiro analisar antes de concluirmos. Sem a expressão duma unidade verdadeira e entusiasmo em nós próprios, dificilmente lideraremos uma luta com sucesso. Esta doença que afecta o nosso movimento e a nossa luta de libertação deve ser curada. Ignorar esta situação é ignorar o que queremos e como alcançar o objectivo.

Esta situação é uma manifestação da existência de agudas contradições entre os membros do Comité Central e é inevitável, uma vez que existe no nosso seio um grupo determinado a liquidar fisicamente outros para ganhos materiais e políticos. A ausência de boa vontade de eliminar as contradições, e a presença de influências imperialistas e instigações externas, fazem a situação piorar. E acontece que em vez de temermos o colonialismo português, vivemos inseguros e desconfiados de alguns dos nossos irmãos, pois não se cuidam de matar outros. Se não fosse a decisão da Baía das Ostras e ninguém tivesse sido morto, não estaríamos chateados pela situação. Diz-se que estamos caminhando numa crise natural.

Gostaríamos de despender o nosso tempo, esforço e energia lutando e derrotando o inimigo em vez de lutarmos uns contra outros como presentemente acontece, usando as armas dadas pelos países amigos para combater o colonialismo e imperialismo. Uma vez que as actividades desta natureza são pagos por imperialistas será com dificuldades que resolveremos o problema. É pena que a nossa luta venha sendo confrontada por problemas que aparentam ser infantis. Apesar disto tudo, os caminhos devem, e serão infalivelmente encontrados, para solucionar estes problemas, duma vez por todas.

Existe um forte sentimento de sectarismo, regionalismo e tribalismo. Devemos aceitar a existência desse mal e corajosamente combater o espírito de individualismo manifestado em frequentes utilizações do pronome "eu". Neste momento de sérias crises, devemos usar medidas de emergência para corrigir o que está errado na organização, de forma a evitar um colapso demasiadamente prejudicial a nossa causa, a causa da libertação do nosso país.

Pessoalmente sei que existem algumas pessoas que são res-ponsáveis pelo passado e presente situação, e somente admitindo e aceitando os factos e as condições seguintes, é que me sentirei capaz de continuar a cooperar. Essas pessoas não são sérias, e não estão para a unidade do povo moçambicano para a realização duma rápida emancipação do nosso povo. As suas atitudes individualistas e a cooperação com forças duvidosas para interesses próprios, fazem da participação e cooperação inútil e impossível. Trabalhar desta maneira não é para benefício do povo. Essas actividades podem apenas evidenciar a natureza verdadeira desses elementos, de sede por ganhos pessoais, material e politicamente. Eles não poupam mesmo os mais macabros meios para alcançar esses fins, incluindo assassinatos. Antes de enumerar as condições, vamos dar uma vista de olhos nos sérios crimes que cometeram.  

A Morte de Silvério Nungu

De que eram frequentes mortes a sangue frio e deliberados assassinatos no nosso exército, era assunto de aquecidas discussões dentro e fora da FRELIMO. Os desertores sempre disseram que isto estava sendo feito e os chairmen de Cabo Delgado levantaram o assunto como a maior razão da sua exigência de secessão. Os nossos oficiais militares sempre recusaram as alegações e isto criou duas linhas diferentes de opiniões. Toda a gente procurou pelas evidências. A morte do camarada Nungu deu uma luz para toda a questão, e ficou provado que todas as alegações eram verdadeiras.

Ninguém é contra a aplicação da pena capital para aqueles que o merecem, aqueles que colaboram ou são nossos inimigos. Mesmo assim, cada caso deve ser examinado cuidadosamente e ver-se se a necessidade de dar tamanha punição é justa ou não, pois doutra forma torna-se vandalismo. Em relação aos assassinos dos camaradas Filipe Magaia, Mateus Muthemba, Paulo Samuel Kamkhomba e Silvério Rafael Nungo, os seus assassinos deviam ser punidos de modo devido, nenhuma piedade deve ser mostrada aos envolvidos, por serem realmente inimigos da revolução e do povo moçambicano.

Em fins de Fevereiro e começos de Março deste ano, depois da morte do Dr. Mondlane, anterior presidente da FRELIMO, algumas pessoas oriundos do sul do país, entre os quais Samora Moisés Machel, Joaquim Chissano, Marcelino dos Santos, Armando Guebuza, Aurélio Manave, Josina Abiatar Muthemba, Eugénio Mondlane e Francisco Sumbane, tiveram várias encontros em casa de Janet Rae Mondlane na Baía das Ostras. Esta última também tomou parte nas reuniões. Estudaram as circunstâncias que envolveram a morte do Dr. Mondlane como membro da sua tribo, e a questão de quem o teria morto. Janet informou os presentes que Filipe Magaia, Sansão Muthemba e o Dr. Mondlane tinham sido mortos por gente do norte (da Beira ao rio Rovuma) porque estavam contra nós, os do Sul. Corrigiram-na, sendo-lhe dito que a morte de Magaia tinha sido perpetrada por uma pessoa do Sul e não do norte. Discutiram também a forma de defenderem e salvaguardarem os interesses da gente do sul.

  Ficou assente nas reuniões que Uria Simango, Silveiro Nungu, Mariano Matsinhe e Samuel Dhlakama eram seus inimigos e deviam, portanto, ser eliminados. Esta decisão foi criticada por dois homens idosos, Francisco Sumbane e Eugénio Mondlane, primo do falecido presidente. Insistiram que todos deviam cooperar e trabalhar com Simango e que o contrário era tribalismo. O seu conselho não foi seguido. Foi decidido que durante a reunião seguinte do Comité Central, devia-se tomar algumas acções. Se for impossível persuadir Simango e Nungu a deslocarem-se ao interior, devia-se usar a força (rapto). Marcelino alertou os presentes de que matar Simango neste momento, poderia produzir maus efeitos porque ele era conhecido internacionalmente, contudo, concordou em matar Nungu, e eliminar politicamente Simango no campo internacional, numa primeira fase.

Depois de em Julho receberem a informação da morte de Nungu, discutiram como proceder para a liquidação dos restantes, sendo a vítima seguinte Simango. Foi decidido que os membros do Concelho Presidencial deviam ir ao interior do país separadamente para inspeccionarem o trabalho em três províncias onde estamos empreendendo a luta armada, Cabo Delgado, Niassa e Tete. -"Se Simango for não voltará, será o seu fim" -declararam Samora e Marcelino dos Santos.

Entretanto, falaram duma carta supostamente enviada de Cabo Delgado em Agosto convidando Simango a visitar a província para solucionar certos problemas. A reunião que teve lugar em Mtwara no mesmo mês, onde Samora Machel, Aurélio Manave e Janet participaram, discutiram sobre a carta. No seu regresso, Manave falou publicamente sobre a carta e a viagem de Simango para Moçambique. Como o grupo de conspiradores sabia que eu e outros tínhamos detalhes do plano de assassinato, não traziam a carta porque o meu assassinato estava relacionado com ela, clara evidência de que a minha morte havia sido organizado.

Três dias da sessão do Comité Central de Abril de 1969 foram dedicados a ataques e destruição de Simango e Nungu e indirectamente à Mariano e Dhlakama. Nenhum voto poderia passar perante tais decisões premeditadas. Pessoalmente, falei durante sete horas consecutivas e outras oito horas divididos em vários períodos para responder a infundados ataques. Era um momento decisivo, se a FRELIMO queria tudo para nós manter juntos, eu sacrifique-me pela causa da unidade. Os presentes não entenderam, suponho porque eu estava frio e calmo, presidindo os trabalhos durante os onze dias da reunião.

Formamos o Conselho Presidencial de três pessoas e elege-ram-me coordenador do Conselho, uma decisão que, de facto, me surpreendeu. Apesar da minha suspeita nesse arranjo decidi cooperar, trabalhando com vista a diminuir as nossas diferenças e consolidar a unidade para a causa da liberdade e independência do nosso país. Os meus colegas, a partir da data do encerramento dos trabalhos do Comité Central, após a minha saída para um encontro com o Governo Tanzaniano no sul, iniciaram uma campanha contra mim, perante os combatentes, o povo, e pessoas de países estrangeiros. Se trabalhei contra eles, vamos então produzir evidências.

Depois da demissão do camarada Nungu, foi decidido que ele devia ir a Moçambique trabalhar na Base Central na província de Cabo Delgado e foram estabelecidas as seguintes condições:

a) Considerando o seu estado e saúde, não podia participar em combates;


b) Devia ajudar a organizar a administração do exército e do secretariado provincial;


c) Devia dar treinamento prático em administração a outros camaradas;


d) Com a ajuda de alguns camaradas, devia organizar re-censeamentos ao nível distrital nas áreas libertadas.




Acreditamos nas palavras dos camaradas de que nada iria lhe acontecer, e a segurança foi dada pelas voz de Samora e pelo Secretário provincial de Cabo Delgado, Raimundo Pachinuapa. De modo que ele foi, no início de Maio (3 de Maio).

No início de Julho, fomos informados pelos líderes militares da província de Cabo Delgado de que Nungu morreu vítima de greve de fome, recusou-se a comer por um período de oito dias, depois de ter sido interrogado sobre a organização de um grupo contra a FRELIMO e tentativa de fuga para se entregar as autoridades portuguesas...que grande absurdo!

As cópias das suas cartas para os amigos, que se seguiram após a sua viagem para o interior, mostram o contrário daquilo que nos foi oficialmente informado, revelam que ele estava feliz e preocupado com a luta na sua verdadeira natureza.. .motivo que o levou à prisão juntamente com Magaia na Beira, e razão da sua fuga de Moçambique no início de 1962, na companhia de Magaia, Feliciano Gundana e outros. Nungu é um dos primeiros revolucio-nários e militantes na luta contra o colonialismo Português. Ele juntou-se a primeira organização política da qual se esperava que eu fosse um dos líderes e inscrevi-o, ele, Magaia e outros, pertencentes ao sucursal da Beira, muito antes da formação da UDENAMO, MANU e UNAMI. Ele participou activamente na fundação da Frente de Libertação de Moçambique em Dar-Es-Salam.

Como é que realmente morreu?

Na sua chegada à Moçambique, ele foi bem recebido e de acordo com as suas qualidades, rapidamente tornou-se popular. Escreveu muitas cartas a amigos narrando sua viagem e afirmando que tudo estava bem, solicitando-lhes roupas que já não lhes servissem porque muitos camaradas estavam sem roupas ou mal vestidos. Num dado dia, devia ser 16 de Junho, ele foi trazido para o público e acusado de ser responsável pela nudez do povo, porque quando recebe roupas para a organização, ele manda-as para suas lojas, e usa todo o dinheiro doado para trabalho da organização, que podia ser usado para comprar roupas para combatentes, em proveito próprio. Nenhuma particular soma de dinheiro ou encomenda de roupas foi indicado. "Ele é vosso inimigo e inimigo da revolução"'-disseram, exigindo que ele (o povo) devia decidir o que fazer com ele. Foi submetido a um longo e duro interrogatório sobre assuntos pessoais e de vida privada. Foi forçado a escrever uma declaração se quisesse continuar vivo. Como estava já a escu-recer, foi muito batido até perder os sentidos, arrastado e deixado a pouca distância do pátio do acampamento. Quando recuperou os sentidos arrastou-se de regresso ao acampamento e dormiu na varanda. No dia seguinte, quando aperceberam-se de que ele con-tinuava vivo, bateram-lhe de novo, suspenderam-lhe pelo pescoço, perfuraram-lhe o lado do estômago à baioneta, removeram-no do suspensório e puseram-no numa cela improvisada, onde morreu. As 18 horas como já estava ficando escuro, removeram-lhe as principais roupas, arrastaram-no pelos pés e enterraram-no atrás da cozinha, numa sepultura rasa. Ele foi assassinado e não morreu de greve de fome.

Ele não era um agente colonialista português como os seus assassinos querem nos fazer crer, a nós e ao mundo; nem foi um anti-revolucionário. Ele foi morto por causa da sua postura na defesa da liberdade, democracia, igualdade e, por ser um fiel combatente, militante vigilante contra o colonialismo, imperialismo, e neo-colonialismo.

Quem matou Nung

u?
O que aconteceu em Moçambique, é exactamente a satis-fação do plano desenhado e decidido na casa da Janet na Baía das Ostras pela clique de criminosos em obediência dum plano impe-rialista, que eles consideram ser capaz de satisfazer seus interesses. Todos aqueles que participaram nessas reuniões, são responsáveis pela morte cruel de Nungu, suas mãos estão sujas de sangue, são criminosos. São ainda responsáveis por desnecessárias execuções de combatentes e pessoas. Terão que assumir a responsabilidades da maioria das deserções e da actual situação do nosso movimento.

Não podemos dizer "o que passou, passou"; os que são responsáveis por esses crimes devem assumir essa responsabilidade e aqueles que não estão comprometidos em trabalhar com imperialistas têm que defender as vidas dos combatentes e do povo, e defender os seus direitos e interesses.

Como afirmei, pessoalmente não posso aceitar fazer parte de crimes contra o nosso povo. Só com uma alteração radical e absoluta da situação poderei moralmente sentir-me apto a cooperar; de contrário é uma honra dissociar-me de acções dos criminosos, pois não se pode confiar neles.

Para resolver estes problemas, exijo;

a) O direito do povo participar na resolução dos seus as-suntos e problemas deve ser restaurado. Cada vez mais, devemos estabelecer e desenvolver a admiração nas áreas libertadas. Isto exige, portanto, a aceleração no treinamento de pessoas, política e tecnicamente, de modo a assumirem os seus deveres. A restauração do direito do povo - a voz do povo, é uma exigência histórica.

b) Abolição, duma vez por todas, do nepotismo, tribalismo, regionalismo, corrupção e chantagem que certos elementos usam para alcançar seus fins.

Desde 1966 tem havido a tendência de um grupo - infeliz-mente composto por pessoas do Sul que incluía o primeiro presidente da FRELIMO - reunir sozinho, tomar decisões, e impô-las a outros por vias de manipulações. O falecido presidente da FRELIMO foi criticado por alguns pessoas conscientes do Sul de que tais métodos de funcionamento poderiam no fim trazer problemas. Não se deu nenhuma consideração a essa advertência. Este grupo continua com este método, muitas reuniões tomaram lugar na casa da Janet, e só pessoas da tribo é que participam. Devemos entender que não há nenhuma tribo em Moçambique que é superior a outras. Estamos a lutar de modo a eliminar a superioridade rácica do branco ou o direito de um dado grupo oprimir e explorar outros grupos. Todas tribos devem merecer igual tratamento, oportunidade e direitos, agora durante a luta, e depois da independência.

Isto não se pode entender como uma guerra ou descriminação contra pessoas do Sul, mas uma luta contra o tribalismo ou grupos que fatalmente podem desunir-nos e estabelecer perpétuas con-tradições entre nós. Quando falamos sobre o grupo de Sul é necessário dizer com muito ênfase, que são alguns elementos de Gaza!...Deve-se dizer aqui que há muitas pessoas do sul que estão contra o tribalismo e opõem-se energicamente às actividades do grupo em questão, e trabalham felizmente com outros.

Este grupo vai ao ponto de cooperar com Paulo Gumane lutando contra pessoas do norte simplesmente porque ele vem do Sul. Ele foi solicitado para cooperar no assassinato de Simango e Francisco Kufa, nosso representante em Lusaka, sob promessa de pagamento em Dólares Americanos.


c) A ignorância e a não aderência nos princípios básicos contidos na nossa constituição traz-nos grandes danos. Os propo-nentes de constantes e instáveis mudanças fazem-no com vista a obter ganhos pessoais. Este espírito não pode ser considerado como unitário e colectivista. Esta qualidade de espírito, em muitos países levou pessoas a cometer crimes imensuráveis. Este espírito não pode ajudar-nos a libertar Moçambique. O princípio de estrito respeito e aderência na nossa constituição deve ser restaurado. Devemos voltar para trás e começar pelas decisões do II congresso de Julho de 1968.


d) A tendência de considerar os nossos estudantes no es-trangeiro de reaccionários e agentes do imperialismo, apenas porque não concordam com algumas políticas e, portanto, estabelecer preferência para empregar estrangeiros na organização em detrimento dos nossos estudantes graduados, deve energicamente ser combatida e eliminada. Deve-se criar um bom clima para eles regressarem e contribuir, porem-se ao corrente, e integrarem-se na revolução. Deve-se-lhes dar oportunidade nas responsabilidades técnicas em que estão qualificados, onde recorremos a estrangeiros para trabalhar. Esta Frente unida, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) deve ter espaço para todos os moçambicanos que querem dar uma genuína contribuição para a libertação do nosso país. Devemos, portanto, estabelecer contactos com eles e abrir as portas para participarem como militantes da FRELIMO na luta de libertação contra o nosso directo e comum inimigo.




Todos os estudantes do Instituto Moçambicano devem ser aceites de volta quando a escola reabrir. Aqueles que estão já estudando e não querem regressar não devem ser forçados, mas devem ser considerados estudantes da FRELIMO, e ser recebidos quando regressarem e terminarem seus estudos, a menos que eles próprios decidam o contrário.

Existem muitas crianças com idade escolar nos centros da FRELIMO, abaixo de 8 anos de idade. Devem-se encontrar vagas nas escolas tanzanianas e outros países para pô-las de forma a poderem estudar, até que se reabra a nossa escola secundária. A retenção daqueles que acabaram a instrução primária e ainda podem estudar em outras escolas não está em conformidade com os nossos princípios - preparar quadros para a futura responsabilidade em Moçambique e, mesmo durante a revolução. Se não encontramos lugares nas escolas secundárias doutros países, podemos dar liberdade aos seus pais de encontrarem escolas para eles, se puderem. Fazendo isso, estaremos a criar condições de consolidar a nossa revolução - agora, durante a luta de libertação, e depois da independência.

Desertores políticos e militares

Em alguns países vizinhos da Tanzânia, Kénia, Malawi e Zâmbia, existem desertores do exército e das estruturas políticas da FRELIMO. Alguns abandonaram por motivos justificados outros não. Apesar dos casos deve-se abrir um diálogo com eles e estabelecer uma atmosfera de reconciliação geral onde aqueles que desejam regressar para participar directamente na luta sejam aceites incondicionalmente, na base de que irão conformar-se com os princípios e disciplina da organização.

Os nossos inimigos irão opor-se a estas medidas porque visam consolidar a nossa unidade e unificar todas as forças nacionalistas moçambicanas. Estas medidas irão aumentar a capacidade de luta do movimento de libertação do nosso país. Todas as tentativas dos nossos inimigos para dividir e manter-nos divididos devem ser frustrados. Os agentes do imperialismo hesitarão em aceitar isto, e poderão até, em cooperação com seus mestres, obstruir a operação deste programa reconciliatório. Este programa não inclui aqueles que provaram estar a trabalhar para o inimigo.

f) Os massacres de combatentes devem terminar. A unidade deve ser restaurada. Novos assassinatos entre nós devem parar. Cabo Delgado deve cessar de ser um lugar de matança. Os responsáveis de assassinatos fizeram pior que os imperialistas. Por essa razão:

1. Pela sua participação directa no assassinato de Nungu e na planificação do assassinato doutros - Uria Simango, Mariano Matsinhe e Samuel Dhlakama - e, por ser agente e canal de finan-ciamento de actividades imperialistas para paralisar de forma subtil a luta do povo de Moçambique contra o colonialismo e imperialismo pela liberdade e independência, e porque ela é a fonte de massiva corrupção na FRELIMO, particularmente das pessoas do Sul e líderes militares, Janet Rae Mondlane deve imediatamente demitir-se e regressar aos Estados Unidos da América, cessando de transaccionar em assuntos de Moçambique.

2. Por terem tido participação directa na planificação da morte de Nungu e daqueles nomes acima mencionados, e por in-justamente terem executado muitos camaradas, Samora, Chissano e Marcelino, devem imediatamente resignar-se dos seus cargos e serem processados, eles são criminosos, inimigos da unidade e da independência. Esses três e Armando Guebuza são particularmente responsáveis por alguns erros que o Dr. Mondlane cometeu, que criaram muitos problemas para a organização e para ele próprio. A advertência dada ao Dr. Mondlane por algumas pessoas oriundas do Sul para não constituir o seu Conselho do Povo, apenas de pessoas do Sul, não foi tomada em consideração por causa desses elementos.

3. O director do Instituto Moçambicano será um moçambicano (um africano).

4. Muitos camaradas incluindo Domingos dos Santos, Hassani e Jeorge Candeado, que estão na prisão cumprindo penas, cujas vidas estão em perigo, devem ser processados e seus crimes tornados públicos. Uma vez que seus crimes são apenas de não apoiar a política dos assassinos, devem imediatamente serem soltos.

Todas estas medidas visam corrigir os erros que existiram durante muitos anos na organização, e dar uma nova irmandade e espírito revolucionário para revitalizar o movimento. Estas medidas podem ajudar-nos a construir a unidade e confiança mútua na organização e liquidar a corrupção, interferências imperialistas e infiltrações no movimento, construir um verdadeiro movimento de libertação capaz de cumprir a tarefa da primeira fase - libertação de Moçambique.

O processo de revitalizar a revolução, o espírito nacionalista e a reabilitação da FRELIMO não altera e nem contrariam a nossa política estrangeira, contido no documento do II congresso.

Dissocio-me dos crimes acima mencionados. A falha no cum-primento dessas exigências, significará a minha imediata resignação.

Moçambique deve-se libertar. Uma resoluta luta armada de todas forças nacionalistas, é o único caminho.

3/11/1969

Uria_simango_1969

(Retirado da obra de Barnabé Lucas Ncomo "URIA SIMANGO, Um homem, uma causa")

Para a versão em inglês, veja: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/01/gloomy-situation-in-frelimo-by-uria-t-simango-19692.html

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