Editorial
A Frelimo, depois de criar uma onda de nervos por ter deixado subentendido que se preparava para mudar a Constituição a fim de acomodar um terceiro mandato para o seu presidente e actual chefe de Estado Armando Emílio Guebuza, deixou tudo e todos de ‘boca aberta’ quando anunciou o seu projecto de revisão constitucional, a semana passada, e se viu que “a montanha pariu um rato”, apesar de os cépticos admitirem que ainda possa querer chegar ao que se suspeitava, fazendo-o à posteriori, através de propostas de que ainda estará à espera, provenientes da “sociedade”…
Seja como for, considerando o convite a todos os cidadãos endereçado pela chefe de bancada da Frelimo na Assembleia da República, Margarida Talapa, achamos mais interessante aceitar o desafio do que entrarmos numa “diálogo de surdos” que venha a “parir” outro “rato”. E, sendo assim, vamos directos ao assunto: propor de facto que se altere o actual quadro de organização política e administrativa do Estado, modernizando a actual Lei Mãe fazendo-a acomodar um modelo mais descentralizado e mais inclusivo dos cidadãos, com poderes mais partilhados, menos dependente de um núcleo central de pessoas, em que todos possam sentir-se diária e constantemente parte da administração do interesse comum sem terem que o fazer dentro de uma única organização de direito privado – o Partido Frelimo – a que muitos não se associam, nem querem associar-se, como só a eles assiste o direito de assim procederem.
O caso de Tete, que reportámos na nossa última edição, e vários outros órgãos de comunicação social também trataram, relacionado com a exploração dos recursos minerais sem vantagens objectivas para os “indígenas” dessas regiões, conhecido e reconhecido que é o magnífico trabalho de promoção da Unidade Nacional conseguido até aqui por todos no País – de que a Frelimo reivindica os louros para si em exclusivo – indica-nos que nesta fase actual, com os moçambicanos maduros que estão em torno da bandeira nacional, o País estará preparado para descentralizar o poder político e administrativo, dando passos concretos e ousados, não apenas no âmbito das autarquias.
O que vemos neste momento a fermentar, se nada for feito com carácter politicamente inteligente, talvez leve as coisas a descambarem para o inevitável desmembramento do actual território nacional, mais tarde ou mais cedo. Hoje em dia, o empoderamento está a ser feito à base do “vale tudo”. Tem valido mais para os que até aqui repentinamente apareceram empoderados sem que se lhes conheça ou reconheça trabalho com rendimento para tal. A seguir-se por esta via, não tarda que o caos possa instalar-se. E dificilmente terá retorno.
É preciso, por isso, salvar a unidade nacional para que as actuais fronteiras nacionais sejam salvaguardadas.
Para já a força ainda pode ser evitada. Para já ainda há muito a fazer-se que possa corrigir as desigualdades. Com instituições militarizadas ou paramilitarizadas, não se poderá evitar. Com tratamento político adequado será possível evitar o caos. Com recurso às armas só iremos mais depressa para o precipício.
Passos ousados e politicamente inteligentes já outros povos deram em períodos difíceis da história de cada um deles – quiçá contra a corrente e ideia dos que estavam no poder. No momento em que decidiram, quem estava no poder estava bem e, naturalmente, desaconselhava mecanismos constitucionais ousados. Novos modelos de organização política constitucional só se fossem para se irem mantendo no poder. Sucede, porém, que a razão levou-os a darem passos ousados, e curiosamente, esses países são hoje os mais desenvolvidos dos respectivos continentes ou regiões. Na América do norte os Estados Unidos da América e o Canadá; na Ásia, o Japão, a Indonésia, a Índia; na América do Sul, o Brasil; na Europa a Alemanha, a Confederação Helvética ou Suiça, todos eles são bons exemplos de estabilidade política e de desenvolvimento económico e social. E são repúblicas federadas.
Todos esses Estados são unidos, as especificidades culturais de cada Estado que constitui as respectivas federações são respeitadas, não deixam de ter um governo central único, congregador e promotor da unidade nacional. Nesses estados acima indicados a unidade nacional é plenamente aceite, ninguém a questiona e têm economias fortes, algumas delas que até financiam o nosso estado unitário actual.
Não têm é governantes glutões, açambarcadores de oportunidades e espezinhadores dos seus concidadãos, acobertados por constituições modelo de Estados unitários onde a democracia representativa tantas vezes não passa de uma farsa.
Nesses modelos constitucionais federais até há leis específicas de interesse local que não são necessariamente aplicadas noutros Estados do mesmo País federal. Há, entretanto, leis gerais dessas respectivas federações ou confederações que remetem para o contexto nacional, o que tem relevância para tal.
O facto desses países terem constituições federais não significa que não tenham a preocupação de salvaguardar a unidade territorial e nacional. Não se conhece entre os Estados com constituições federais os que tenham problemas de unidade nacional. Conhecem-se, sim, Estados com constituições unitárias com sérios problemas de unidade nacional, embora neles se pretenda fazer crer que não existem. Citar-nos-ão o caso da Nigéria como um mau exemplo.
Mas as razões religiosas suscitadas por uso do Estado para fins político-partidários como o ensaio recente que o primeiro-ministro Aires Ali fez quando se deixou subjugar pela IURD – essa igreja que a Justiça brasileira conhece bem e está agora a processar por alegado envolvimento no crime organizado e prática de terrorismo e lavagem de dinheiro – serão as causas próximas. Não o tipo de constituição em si.
Quando há respeito pela Constituição e pelas leis e os governantes não se julgam donos dos Estados, o federalismo já provou ser o melhor dos sistemas.
Os países mais desenvolvidos do mundo são Estados federados.
Na hora própria, nessas repúblicas federais, sente-me mais unidade em torno da bandeira nacional do que em certos Estados com constituições unitárias, como o nosso. Com o pretexto de se evitar o tribalismo, o regionalismo e tantos outros ismos, em países com constituições unitárias acaba-se promovendo, através da prática de imposição seguida por certos figurões, lideranças contestadas no seio de determinadas comunidades ou regiões.
Em países com constituições unitárias, por falta precisamente de espaço para verdadeiros exercícios democráticos, a repartição da riqueza pelas regiões não existe. Não se obedece a padrões de equidade de direitos entre os cidadãos. Os que estão no poder não fazem leis para se manterem eternamente no poder a usufruir do “vale tudo” e quando há lei os poderes são tão promíscuos que se torna tudo uma grande família de lapidadores.
Um grupo que se julga a si próprio como insubstituível e com ideias iluminadas, julgando os outros como meros meninos de coro que sem eles não conseguiriam sobreviver, impõe a sua autoridade sem aplicar as leis que existem a si próprios e aos seus familiares. As leis só aplicam aos outros. Um filme muito peculiar entre nós.
Aqui fica por isso o nosso desafio para que a senhora deputada Margarida Talapa e a bancada do seu partido tenham a “esmagadora” coragem de incluir, sem receios, no debate nacional, extensivo a todo o País e não apenas às fronteiras do Parlamento, a oportunidade de se instituir um modelo federal na futura Constituição, ou seja, na constituição que se quer rever.
Não nos venha dizer que é inoportuno, porque sabemos que no seio da própria Frelimo há quem esteja a questionar se o próximo líder da organização deve continuar a ser do Sul ou deve passar a ser alguém do Centro ou do Norte.
O tipo de debate clandestino que está a ser feito põe em perigo a unidade nacional, porque permite que todo o “jogo” seja manipulado e assente em pressupostos que não se aconselham de forma alguma, por serem pressupostos de grupinhos de pessoas e não verdadeiramente do interesse de um Moçambique unido por razões verdadeiramente patrióticas e inclusivas.
Fonte: Canal de Moçambique – 19.10.2011
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