21. O POVO MOÇAMBICANO DIZ «NÃO» À FRELIMO
Os erros cometidos pela Frelimo, as prepotências dos seus dirigentes, o luxo e as demonstrações de riqueza pela parte dos chefões da República Popular de Moçambique, aliados às recordações da recente guerra com Portugal — agora mais nítidos no pensamento do povo, após o crescimento da euforia da Independência — voltaram os moçambicanos de Norte a Sul contra o Governo.
O espírito de revolta, após demorada incubação, rebentou o ovo e manifesta-se claramente em todas as reuniões de massas. Fazem-se comparações dos preços dos artigos de consumo corrente, expostos nas Lojas do Povo — originalidade comunista — com os praticados no tempo do colonialismo; critica-se a criação do Banco da Solidariedade para auxílio aos terroristas da Z.A.P.U., subsidiando-se, desse modo, a luta contra a Rodésia, Banco que obriga o povo ao pagamento de um dia de salário mensal, automaticamente descontado nas folhas de vencimentos das empresas privadas ou estatais.
«Que temos com essa guerra? Não nos bastam os nossos feridos, os nossos filhos mutilados pelas minas plantadas nos carreiros e nos acessos das povoações pela Frelimo, na luta contra o exército português?...»
E recorda-se, cada vez mais com maior nitidez, os sofrimentos impostos pela guerra colonial, nascendo a pergunta, que se espalha de lar em lar, de casebre em casebre:
«Não foi a Frelimo que colocou as minas nas machambas que plantámos, nos rios onde as nossas mulheres e as nossas crianças iam buscar água, nas estradas que éramos forçados a trilhar junto aos nossos casebres?»
A Frelimo não oculta a sua profunda preocupação em relação à atitude do povo, e nem procura disfarçar a plena gravidade da sua significação. Fazem-se comícios. Substituem-se os comissários políticos. Enviam-se para os campos de trabalho quantos erguem publicamente a voz discordante. Assassinam-se os mais renitentes e perigosos, ou isolam-se em zonas de difícil acesso, no interior da Tanzânia, pátria irmã de Moçambique na miséria e na criminalidade do regime.
Samora Machel apregoa, em ridículos discursos, que a luta continua, e toda a gente sabe que a luta agora é travada contra o povo moçambicano que aprendeu a dizer «não» à Frelimo, e que, lentamente, caminha para uma mobilização geral em toda a extensão do país.
Os próprios soldados e comandantes da Frelimo aliam-se ao povo na sua revolta natural contra o Governo que lhes foi imposto. E este levantamento nacional, que conseguiu pôr de acordo etnias que até agora se guerreavam, organiza-se em todos os pontos do território, ao tempo que grande número de combatentes, que desde a hora de luta estiveram com a Frelimo, que sofreram a guerra nas florestas, que se afastaram dos seus lares durante uma dezena de anos, são agora forçados a fugirem de novo da sua terra para salvarem as suas vidas, ao verem totalmente traídos os ideais por que lutaram.
O povo glosa os últimos discursos do Presidente Samora Machel, ridicularizando-o. E essa é, também, uma forma de luta contra o regime machelista.
O discurso mais em baila foi o pronunciado no primeiro aniversário da Independência, no dia 25 de Junho de 1976, e a partir de então é vulgar ouvir-se nos bares, nos cafés, em qualquer lugar, um moçambicano perguntar a outro:
— Já mataste hoje trinta moscas?... Se não o fizeste és um mau moçambicano!...
Samora Machel nesse ridículo discurso — e dizem que após o haver pronunciado foi proibido pelo Comité Central do Partido de falar em público de improviso— traçara a linha de ordem para o segundo ano de Independência, com as seguintes palavras:
«Moçambicanas, moçambicanos, operários e camponeses, a linha de ordem para este segundo ano de Independência infere-se na luta contra a doença. Há um bichinho que transmite a doença, é ou não é?... Que poisa na porcaria, que poisa na comida que nós comemos. Ë a mosca. Ë ou não é?...»
«Moçambicanas, moçambicanos, operários e camponeses, a palavra de ordem para este novo ano é que todos nós, operários e camponeses, nas nossas casas, nos escritórios, nas oficinas, matemos cada um trinta moscas por dia. Trinta moscas, estão a ouvir?... Quem não matar trinta moscas por dia não é bom moçambicano. Estão a ouvir? Ë ou não é?... De acordo com esta estratégia vamos acabar com moscas em Moçambique...» (sic).
Samora Machel discursou com os olhos raiados de fogo, alheio aos olhares de gozo dos moçambicanos evoluídos, fitando apenas os poucos rostos que espelhavam idolatria, dos homens seus capangas, daqueles que, com sofreguidão, vão chupando os nacos do manjar moçambicano que escapam à voracidade famélica de glória e de poder, de luxo e de ostentação do Presidente da República Popular de Moçambique.
Mas Samora Machel vai descobrindo que o seu poder é fictício, que mais não é do que um símbolo ainda necessário a quem o manobra, mas que prepara a sua destruição. A Frente de Libertação de Moçambique actual, literalmente oposta à criada por Eduardo Mondlane, encontra-se sob o controlo de um pequeno grupo. E descobrindo tudo isso, não esconde o seu terror e procura esquivar-se ao fim que adivinha, a resistir por qualquer preço, agitando para o efeito moribundos lemas nacionalistas.
Deixou de pernoitar no palácio presidencial, em Lourenço Marques, deslocando-se diariamente para a Ilha de Inhaca, onde passa a noite, em helicóptero convenientemente protegido. Nas suas deslocações, em automóvel de luxo à prova de bala, faz-se acompanhar de um incessante clamor de sirenes e do aparato bélico de dezenas de «kalashnicov» prontas a disparar ao mais pequeno gesto suspeito. A sua guarda pessoal é composta por soldados tanzanianos e oficiais cubanos, tão pouca confiança deposita nas Forças Populares de Libertação, pois sabe que elas são enquadradas por comandantes que lhe são hostis.
O medo acompanha Samora Machel. Ergue-se a seu lado. Está presente em todo o lugar onde se encontra. E o remorso, também. Os corpos esburacados pelas balas, de quantos levantaram a voz contra o seu domínio — enquanto na realidade dominou — são paletas constantemente perto dos seus olhos.
O povo acusa.
Interroga sobre o nome do assassino de Eduardo Chivambo Mondlane, e encontra como resposta o de Samora Machel, aceitando sem reticências a opinião de inúmeros dissidentes do Partido, postas a circular clandestinamente entre as massas. Uma das vozes apoiadas popularmente é a do dr. Domingos Arouca, que mesmo nos calabouços da P.I.D.E. manteve amistosos contactos com o primeiro líder da Frelimo:
«...a determinada altura começámos a temer pela vida de Mondlane. Travava-se em Dar-es-Salam uma luta desenfreada pelo poder dentro da Frelimo, coincidindo com a mudança de protector internacional e com o avanço de Samora para o poder; pelo sistemático afastamento e selvático aniquilamento de todos os comandantes de guerrilha que estavam na sua frente, até chegar ao topo. Para isso serviu-se das suas próprias mãos e das mãos que comprou. Serviu-se de inimigos do Presidente e também de pessoas que a ele estavam intimamente ligadas. Todos dentro da Frelimo calculamos quais foram as mãos que mataram e as que rebentaram a tão discutida bomba. E após a sua morte os que estavam vinculados pelo sangue derramado tinham de eliminar todos os que sabiam demais. Josina Mutemba, mulher de Filipe Magaia, que, após a morte deste, muito estranhamente, aparece ligada a Samora, também «sabia demais» e não era pessoa para pactuar com a traição, também foi abatida e a série continua mesmo ainda agora dentro de Moçambique porque o sangue e o assassínio arrastam consigo sempre novas vítimas...»
O dr. Kamati Mahoce, um dos fundadores da Frelimo, licenciado em Sociologia pela Universidade de Colúmbia, também se referiu recentemente à morte de Mondlane, afirmando que assistiu ao assassinato e que ele foi prepetrado por elementos da Frelimo, afectos ao actual Presidente Samora Machel, e que o crime apenas aproveitou ao actual ditador.
E o povo continua acusando.
Quer conhecer o passado do chefe Samora, os seus delitos comuns que o levaram a julgamento e à expulsão do Curso de Enfermagem, os roubos praticados quando empregado nos Serviços de Saúde, ao se oferecer, no intuito de os praticar mais livremente, para lavar os mortos e pernoitar na casa mortuária, em Lourenço Marques, onde se apropriava dos anéis dos defuntos.
O povo comenta tudo isto abertamente, afirmando que a Frelimo não tem capacidade para prender ou assassinar a totalidade da população moçambicana. O espírito de revolta alastra nas três províncias da fronteira Norte de Moçambique
— Cabo Delgado, Niassa e Tete—, e os seus habitantes disputam a orientação da luta contra a Frelimo, tendo alguns destes povos passado à acção violenta, nomeadamente os macondes, sob a orientação do espírito revolucionário do dissidente Lázaro Kavandame.
Nas cidades do Sul, nomeadamente na Beira, Lourenço Marques e Inhambane, os sintomas de revolta são, de dia para dia, mais patentes, acompanhados por uma palpável resistência às directrizes do Partido. Nestas principais localidades, centros-chave em densidade populacional, o povo nega-se a comparecer às reuniões dos Grupos Dinamizadores, aos comícios, às sessões de esclarecimento, mesmo se os chefões da Frelimo decretam feriados quando uma destas reuniões tem lugar onde são anotados os nomes dos faltosos pêlos secretários das células de trabalho ou de residência.
Mas nem o medo às represálias leva o povo à presença massiva.
Espalha-se pelos bares, pêlos cafés, pêlos lugares de convívio, nos bairros
— aproveitando-se a seu bel-prazer do inesperado dia de folga — ou reúne-se em sessões clandestinas, onde são dissecados todos os crimes do Partido.
Ao mesmo tempo os prisioneiros sem julgamento, detidos às ordens da P.I.C. ou da S.N.A.S.P., polícia política com poderes ilimitados decalcada nos métodos da K.G.B., amotinam-se nas prisões e tentam diariamente a fuga, sendo muitos deles abatidos a rajadas de metralhadora pêlos mercenários da Frelimo. Outros são transferidos para campos de morte, situados em zonas desérticas do país, onde são dizimados sem piedade, ou ainda fuzilados publicamente, após serem obrigadas a assistir as crianças das escolas primárias e elementares, como aconteceu na cidade de Quelimane recentemente.
E Samora Machel tresloucado, vendo o poder fugir-lhe, oferece vencimentos chorudos aos membros da sua «gang», cada vez mais reduzida, ao tempo que reforça os seus quadros com mercenários estrangeiros, na maioria cubanos, chineses e vietnamitas, aproveitando, ainda, a colaboração de alguns cadastrados portugueses. Neste contexto, nomeia Zeca Russo — Carlos José Daniel dos Santos Rocha, de nome — autor de assaltos à mão armada em Lourenço Marques e em Johanesbourg-. na África do Sul — criminoso internacional evadido das prisões sul-africanas e moçambicanas, onde cumpria penas de delito comum, tendo numa das fugas atirado, a matar, sobre forças policiais — nomeia, dizia eu, chefe de Brigada da P.I.C., e entrega a Informação e a sua propaganda à escória do jornalismo moçambicano, composta por portugueses traidores, de que podemos nomear Martins de Almeida, Moaz Gonçalves, Mário Ferro, José Quatorze, Cabeça Lopes — depois também chefe da P.I.C.— Jorge Figueiredo Jorge, e outros.
A intenção de vencer pelo medo, porém, não resulta. O povo reage empunhando armas, e refugia-se junto à fronteira rodesiana, de onde, aliado às forças contrárias aos terroristas da Z.A.P.U., investe contra bases frelimistas ou do Zimbabwé, em território moçambicano.
Como é lógico, Samora Machel diz que são incursões da Rodésia, mas todos os correspondentes internacionais que se encontram naquelas zonas sabem que os atacantes são moçambicanos, comandados por chefes da Frelimo que se rebelaram contra as atrocidades que Samora Machel, e os seus capangas cometem.
São de maior importância, pelos danos causados aos terroristas do Zimbabwé e às forças da Frelimo, as surtidas com sucesso efectuados à vila de Mapai — que foi totalmente destruída — e, mais recentemente, à Gouveia, onde foi destruída uma importante ponte sobre o rio Pungué — acção que motivou a divisão de Moçambique em duas partes distintas — e dizimou elevado número de terroristas na sua base, orçado pela Frelimo em cerca de seis centenas, mas que os membros da Imprensa que se deslocaram ao local — e só foram autorizados a fazê-lo cerca de uma semana depois — afirmaram não terem aparecido na gigantesca base mais de quatrocentas e oitenta e três pessoas, das dez mil que ela albergava.
É de salientar, ainda, que a reportagem jornalística encontrou os sobreviventes camuflados e calçando botas militares, apressando-se os repórteres do «Notícias da Beira» a lembrarem ao leitor que por a roupa ter sido destruída pelos assaltantes, a Frelimo foi forçada a fardar os sobreviventes, o que poderá levar um observador atento a erro de especulação. Para estes repórteres, para o Alto Comissário da O.N.U. para os Refugiados, e para a Informação comunista, o ataque perpetrado por dissidentes da Frelimo e da Z.A.P.U. tivera por alvo um campo de refugiados, mas as imagens colhidas pelo repórter fotográfico Fernando Veloso, do «Notícias da Beira», e publicadas em toda a Imprensa do país — «Notícias», «Tempo», e «Notícias da Beira» — mostravam cadáveres espalhados pelo solo envergando uniforme militar. E a área atacada estava tão militarizada que os próprios repórteres — entre eles Mário Ferro e Fernando Veloso — foram aprisionados por terroristas do Zimbabwé, e transportados para Vila Pery em viaturas militares, sendo devolvidos à liberdade por influência de José Moiane, governador daquela Província.
Os jornalistas moçambicanos haviam sido tomados pelos terroristas do Zimbabué, sobreviventes, como mercenários brancos ao serviço das forças militares rodesianas.
Samora Machel colocou-se entre dois fogos e sabe que os movimentos moçambicanos que nasceram nos últimos meses, para o destruir, não lhe darão tréguas no conflito armado que começa a generalizar-se. A sua única esperança consiste em conseguir uma forte ajuda externa, a exemplo da solução encontrada por Agostinho Neto para Angola, atraindo a presença bélica de cubanos ou russos. Essa hipótese, porém, é contrariada — segundo os observadores internacionais — pelas reacções desfavoráveis dos Estados Unidos da América e de outros países do grupo ocidental, que já lamentam a letargia que manifestaram no caso angolano, que veio permitir um avanço importante do comunismo em solo africano.
Será - agora impossível repetir, sem graves consequências, a jogada de Agostinho Neto, que por ser inédita colheu de surpresa o Ocidente e apareceu aos olhos do mundo como facto consumado. Ao mesmo tempo, e posta fora de questão a interferência de forças cubanas ou russas no conflito que se avizinha, a guerra civil apenas trará vantagens à Rodésia e à África do Sul, que deixariam de ser o fulcro da atenção mundial na África Austral, pela sua política de segregação racial, a qual, lentamente, está a ser abolida. Para Moçambique, esta inevitável guerra civil será — como definiu o eng.° Jorge Jardim — mais uma esperança do que uma ameaça.
De notar, ainda, que a rota do Cabo, cada vez de maior importância devido aos problemas do Médio Oriente — que tornam inacessível o Suez — está a ser jogada na África Austral, olhando ao facto de que uma interferência bélica comunista em Moçambique, ou na Rodésia, enfraqueceria as possibilidades de defesa da África do Sul, e que sem este último bastião ocidental a rota do Cabo ficaria praticamente fechada aos Estados Unidos e a todos os países do bloco ocidental.
Não está posto fora de hipótese, ainda, e no caso pouco provável dos problemas da África Austral conduzirem a um conflito internacional, que a China, sem Mao-Tsé-Tung, não hesite em tomar posição ao lado de Vorster, como a que claramente já tomou ao lado de Pinochet.
22. A FRELIMO EM DUAS GUERRAS
Estando a Frelimo envolvida em nova guerra, interessa recordar a sua luta contra o Exército de Portugal e toda a sua actividade, recuando-se, para o efeito, aos anos da sua fundação.
As primeiras declarações programáticas da Frelimo, quando da sua formação no exílio sob a direcção do dr. Eduardo Chivambo Mondlane, e que enquadrava um grupo de jovens moçambicanos — de que poucos sobrevivem — definiam o anseio de independência do povo moçambicano sob um pluralismo político. Foi, pois, do descontentamento natural anti-colonialista, e não do ódio ao povo português, que foram geradas as ideias mestras da fundação do Movimento.
Estava-se em 1960 e nesse mesmo ano em Paris, cidade escolhida para exílio pelo grupo de jovens revoltosos, foi estruturada a estratégia de actuação subversiva a efectivar dentro do território moçambicano, pois apresentava-se bem claro ao grupo de jovens revolucionários que todas as tentativas de diálogo com Portugal directa ou indirectamente esboçada, resultavam infrutíferas.
Como já afirmei, desse grupo poucos são os sobreviventes. Grande parte dos homens que hoje se encontram nos postos directivos da Frelimo servia-se então gulosamente das benesses do colonialismo, frequentando cursos médios em Portugal, com bolsas de estudo oferecidas pelo Governo português, pelas câmaras municipais ultramarinas e pela Mocidade Portuguesa, regressando muitos deles à Tanzânia, para se unirem à Frelimo, em Fevereiro e Março de 1974, nas vésperas, portanto, da queda do regime português.
Porém a Frelimo, embora fosse o mais importante, não era o único movimento revolucionário a actuar em Moçambique clandestinamente. Vários outros partidos disputavam a orientação da luta contra o colonialismo português, nomeadamente a Coremo, o Molimo, o Monalimo e o Fumo. Apesar da preparação clandestina a que os macondes já estavam a ser sujeitos há alguns anos, a luta armada em Moçambique teve um início precipitado, motivado pelo desejo de supremacia entre os partidos revolucionários.
O assassínio de um missionário holandês, de nome Daniel Boorman, na missão de Nangololo — no coração dos macondes — foi o acontecimento que marcou o começo da acção violenta. Desde essa data — 24 de Agosto de 1964 — Moçambique encontrava-se em guerra, iniciando a Frelimo a sua actividade armada um mês depois, a 25 de Setembro de 1964.
A partir de então, e até ao fim da guerra anti-colonial, a Frelimo ganhou projecção internacional, mercê do apoio que lhe era oferecido por potências interessadas na progressão da estratégia neo-colonialista em África, especialmente a partir de 1968. Após este ano e até 1970 — anos chamados da «matança interna» em referência à Frelimo — o Partido ia mudando a sua política, aproximando-se, até dele depender inteiramente, do eixo comunista.
O grupo que se encontra agora na direcção da Frelimo — segundo todos quantos se têm dedicado ao estudo daquele Movimento — era o mais interessado no desaparecimento dos primitivos chefes, incluindo-se entre estes o próprio dr. Eduardo Mondlane. E não é certo pensar-se apenas no nome de Samora Machel, um dos que sem dúvida estavam interessados. Outros que o rodeiam agora, estão tanto ou mais implicados do que ele, nomeadamente Marcelino dos Santos e Sérgio Vieira.
Entretanto, no decorrer destes anos, também no inteior de Moçambique se começaram a registar os efeitos da luta da Frelimo, mas ao contrário do que a propaganda procurava fazer crer, as vitórias do Partido não se situavam em domínios territoriais, sendo absolutamente falso que a revolução controlasse administrativamente qualquer área de Moçambique.
No decorrer da longa e sangrenta luta percorri as áreas mais afectadas pela revolução, em serviço de reportagem, e nunca verifiquei a existência de «zonas libertadas», como a Frelimo fazia crer que existiam na sua propaganda internacional. Pelo contrário, a presença da guerra só era detectada pelo sofrimento do povo das zonas nortenhas, vizinhas dos países que asilavam, com descaradas bases e armazéns de remuniciamento, os guerrilheiros da Frelimo. Na realidade, durante os dez anos de luta, as vítimas maiores da Frelimo foram os milhares de camponeses inocentes do Norte, que sentiram a forte pressão do partido revolucionário, especialmente os macondes, os nianjas, os acheuas, os ajauas, os macuas e os tauaras, pequena parte das oitenta e três tribos do território.
É bom recordar, e em abono da não existência de zonas libertadas pela Frelimo durante a guerra, que o único Congresso do Partido que foi realizado dentro de território moçambicano, antes da Independência foi o Segundo, e teve lugar no Niassa em Julho de 1968, ainda em vida do dr. Eduardo Mondlane, que a ele presidiu. A existirem «zonas libertadas» os Congressos que a este se seguiram até 1975 não teriam, por certo, sido realizados a bom recato no estrangeiro, como efectivamente aconteceu.
A acção da Frelimo após a morte do primeiro líder, baseada nos métodos de guerrilha marxista, não encontrou resposta fácil entre as massas populares moçambicanas. O trabalho dos comissários políticos deparou com grandes barreiras e o Partido sentia que perdia terreno. Especialmente nos três últimos anos de luta, a Frelimo acelerou o seu trabalho junto das massas, intensificando os seus processos coercivos.
A adesão à política frelimista começou a ser procurada mais pelo terror e menos pelo convencimento. O número de acções, em média anual, exclusivamente terroristas contra populações, retrata, claramente, a mudança de política e de processos de actividade após a morte de Eduardo Mondlane. Enquanto de 1964 a 1970 o número médio anual foi de 156, em 1971 o total foi duas vezes e meia superior a essa média. Em 1972 triplicou. A essas acções correspondem, em 1971, aumento equivalente de mortos e feridos entre a população, mas em 1972 a estatística é ainda mais dramática: Ao triplo das acções corresponderam quatro vezes e meia de mais vítimas.
A principal arma usada pela Frelimo foi o engenho explosivo de fabrico russo ou chinês, nomeadamente a mina anti-pessoal. Desde Janeiro de 1971 até Fevereiro de 1973 os camponeses dos três distritos acima referidos accionaram cerca de duzentas minas, colocadas pêlos guerrilheiros nos caminhos mais frequentemente utilizados, junto das aldeias, nos trilhos para as áreas de cultivo, para os rios ou para a apanha de lenha. No mesmo período mais de sessenta camponeses, incluindo mulheres e crianças, morreram em consequência dos engenhos explosivos da Frelimo e mais de duzentos ficaram gravemente mutilados.
Estes números, por mim colhidos directamente nos hospitais em diversas reportagens que efectuei, não incluem as inúmeras vítimas de ataques directos a pequenos núcleos populacionais indefesos, e de emboscadas a grupos de homens, mulheres e crianças. Não se referem, também, à eliminação violenta de mais de uma centena de chefes tradicionais que opuseram resistência à Frelimo e tentaram defender o seu povo.
Em síntese, desde o início da luta e até fins de Fevereiro de 1973, os guerrilheiros da Frelimo abateram por meio de minas anti-pessoal seiscentos e oitenta e nove homens, mulheres e crianças do povo moçambicano, e feriram, na maioria dos casos mutilando, mil seiscentos e vinte e cinco seres humanos.
O ano de 1973, a partir de Março e até final da guerra em 1974, foi, porém, o período mais trágico. Faltam-me os números de diversas frentes de luta mas a estatística colhida no Hospital Regional de Tete, apresenta números impressionantes: Foram mortos, ou ficaram mutilados, setecentos e vinte e nove camponeses, todos pela deflagração de minas anti-pessoal, especialmente nas zonas de Soronhate, Vuende, Bene-Tembué, Casula e Chiuta, na região de Tete.
O próprio presidente Kaunda, da Zâmbia, afirmaria, perante a atitude desumana dos guerrilheiros da Frelimo:
— Temos de acabar com isso quanto antes. São coisas que não se podem tolerar! ...
É fácil de entender, pelo que atrás fica escrito, que a actividade da Frelimo não se assemelha a nenhum retrato de guerra, e mais não foi do que uma actividade terrorista, da qual a maior vítima foi o povo. O poderio relativo das duas forças — a portuguesa e a da Frelimo — nunca foi verdadeiramente testado.
Em combate, os factores determinantes são o espírito de luta e o padrão de eficiência profissional do combatente. A Frelimo raramente permitiu combates, actuando em emboscadas e fugas, sem domínio de terreno, ou em acções terroristas contra populações pacíficas que desejavam a Independência mas amaldiçoavam a guerra de minas que lhe era imposta pela política marxista-machelista do sanguinário e sádico Samora Machel e dos seus capangas.
Ao ser acordada a paz o exército português estava longe de perder a guerra e a Frelimo começava a ser desacreditada internacionalmente ao serem conhecidas as suas patranhas. A paz custou mais sangue e tormentos ao povo moçambicano e à colónia portuguesa do que a própria guerra, tão infantil foi o exemplar processo de descolonização.
O general Kaúlza de Arriaga, o estratega que a Frelimo jamais derrotou, exprimiu do seguinte modo a sua opinião, que é compartilhada pela maioria dos moçambicanos, sobre as consequências e desfecho da guerra interrompida:
«Em Moçambique, e em fins de 1971, a guerra esteve quase ganha pelas forças portuguesas e mesmo quase terminada. Depois, o atraso no desenvolvimento e, principalmente, o início da construção de Cabora Bassa, com as suas incisivas consequências políticas e estratégicas, particularmente a fixação de consideráveis efectivos que a área da futura barragem e albufeira, a linha de transporte de energia e os seus acessos impunham, retardou o sucesso. Este, se se procedesse como era acertado e possível, deveria retomar o seu ritmo acelerado no segundo semestre de 1973, com a projecção de arranque em curso do desenvolvimento geral, com a não diminuição do nível da instrução e preparação de tropas, com a manobra de efectivos entre Angola e Moçambique e com a entrada em operações das forças locais voluntárias que foram mandadas constituir. E o mesmo ritmo acelerar-se-ia nos anos de 1974, 1975 e 1976, com o desenvolvimento geral, com o choque político e psicológico que resultaria do termo da construção de Cabora Bassa, precisamente no dia desde o início previsto, e com as grandes vantagens especificamente militares que a sua albufeira oferecia. A Frelimo sabia-o e por isso exerceu o seu grande esforço, contraproducentemente quase o esgotou, no ano de 1973. Assim, em 1976, estar-se-ia já numa fase importante de desenvolvimento geral em crescimento, e, no respeitante a operações específicas militares, estas deveriam estar muito reduzidas em volume e localizadas muito a Norte. O próprio Samora Machel tê-lo-ia honestamente reconhecido. Neste ano de 1976, se se tivesse procedido acertadamente como era viável e tanto quanto uma previsão isenta pode assegurar, estaria definitivamente garantido, embora possivelmente não consumado, o sucesso das Forças Armadas em Angola e Moçambique. Isto é, as respectivas guerras em termos de contra-subversão.»
Ressaltam destas afirmações e de quanto atrás fica escrito, duas ilações:
Primeira: São palpáveis os erros cometidos pela exemplar descolonização ao entregar, imediata e incondicionalmente, Moçambique à Frelimo, força não vencedora da guerra contra Portugal e não representativa do povo moçambicano. Verifica-se, ainda, que existia a possibilidade da transição do Governo moçambicano para o verdadeiro povo de Moçambique — sem sede em Dar-es-Salam — o que transforma a exemplar descolonização numa espécie de conspiração para a expansão do poder soviético na África Austral.
Segunda: Samora Machel convenceu-se a si próprio — ou pelo menos apregoa ao mundo inteiro — que venceu Portugal, que obrigou os colonialistas a fugirem espavoridos da sua possessão africana, e pensa que, com a mesma facilidade, expulsará os rodesianos e os sul-africanos, esquecendo-se que nem a África do Sul nem a Rodésia possuem nas suas fileiras armadas oficiais como Melo Antunes, como Vítor Crespo, como Rosa Coutinho, como Lemos Pires, como Vasco Gonçalves e outros, que continuam oficiais no seu país, com os mesmos ou mais galões, com idêntico ou superior número de estrelas, após entregarem Moçambique.
Os rodesianos defendem a Rodésia, sua pátria, e fora dela são párias, o mesmo acontecendo aos sul-africanos. Não fazem uma guerra de comissões. Sabem porque combatem e como combatem. E o sonho de Samora Moisés Machel — aceso pelas teorias moscovitas — que não passará de sonho pois na realidade nem será capaz de debelar a luta que lhe é imposta pelo povo moçambicano, pode proporcionar-lhe, levado pela falsa facilidade com que venceu Portugal, o desejo de arrastar toda a África Austral para um trágico derramamento de sangue.
A exemplar descolonização, que atirou para a vida esmoler cerca de um milhão de bons portugueses ultramarinos, que levou ao desespero, à revolta e à guerra os povos indígenas das colónias, pode alastrar as suas nefastas consequências a todo o Continente Africano, quiçá a povos de outros continentes, ficando na História como exemplo da mais cobarde e mal intencionada fuga a responsabilidades.
Como podem, porém, os seus causadores, proteger, ainda, a sua reputação?
E quem a protege?
E porquê?
Uma coisa é certa: O processo histórico resultante da exemplaridade da descolonização portuguesa está longe de chegar ao fim. Será difícil deter a hecatombe que se prepara para desabafar sobre a África Austral.
Mas pode o Presidente da República Popular de Moçambique usar a mesma estratégia de luta contra o exército rodesiano? A resposta é negativa, mas, mesmo assim, Samora Machel afirma que empurrará Smith e Vorster até ao Oceano, que comerá ainda este ano o peru de Natal em Salisbúria, esquecendo-se que da guerra civil que alastra em Moçambique serão eles — Smith e Vorster — que tirarão partido. Os chefes dos movimentos revolucionários, que se organizam contra a Frelimo, afirmam à Informação internacional que a guerra contra a Rodésia não é feita pelo povo moçambicano, considerando-a, portanto, da exclusiva responsabilidade de Samora Machel e da sua facção política.
Estas declarações poderão significar a intenção dos inimigos da Frelimo, de aceitarem um entendimento com Yan Smith e com Vorster, com vista a que lhes seja permitido o uso dos seus territórios para a implantação de bases de apoio à luta contra a Frelimo. E não é de menor interesse a posição geográfica dos dois territórios, que abrangem uma faixa fronteiriça que se tende do Rio Maputo ao Rio Limpopo — África do Sul — e do Rio Limpopo ao Zumbo, na província de Tete — Rodésia — faixa que se estende por mais de metade do país no sentido Sul-Norte.
Espera o povo moçambicano que a Frelimo de Samora Machel, ao contrário do que afirma o líder marxista, seja pontapeada para as regiões onde nasceu, na Tanzânia, e que o seu presidente ditador vencido, chore nos braços de Nyerere seu particular amigo e co-sócio na chefia dos terroristas da Z.A.P.U.
23. A RÁDIO ÁFRICA LIVRE
Em meados de Fevereiro de 1976 uma voz estranha passou a ser escutada nos receptores radiofónicos moçambicanos. A princípio ninguém sabia em quantos metros, ninguém fixara em que onda.
Era captada casualmente e a horas diferentes do dia. Falava de Moçambique, contava verdades sobre a política machelista, abria finalmente os olhos ao povo para a desgraça do seu viver.
Quanto ali era afirmado circulava imediatamente de boca em boca, passando a haver uma autêntica corrida aos receptores nos lares de negros e de brancos, todos desejando ouvir as mensagens, os noticiários, os comentários da emissora.
Os que não conseguiam sintonizar o estranho emissor afirmavam, discutiam convincentemente, que quanto se dizia na rua, nos cafés, não passava de um boato.
A emissão era curta. Umas quantas afirmações, uma canção e o silêncio. A canção era «Moçambique», na voz de João Maria Tudela. Pouco a pouco, porém, o povo aprendeu a localizar as emissões, e, a partir de então, a Rádio África Livre passou a ter como ouvinte todo o povo moçambicano, tornando-se fixo o seu horário entre as 20 e as 21 horas.
As cidades esvaziavam-se do seu movimento habitual e os cafés transformavam-se em lugares frios, enquanto os lares se enchiam de homens, mulheres e crianças, negros, brancos, mestiços, de ouvidos atentos a tudo quanto o locutor afirmava em português e em dialectos locais.
A popularidade do programa cresceu, podendo afirmar-se que, em poucos meses, a Rádio África Livre passou a ser a verdade e única voz nacional de Moçambique.
Foi essa popularidade que mais uma vez obrigou à mudança do horário de emissão, e, a partir do princípio de Agosto, do mesmo ano, a Rádio África Livre passou a ser sintonizada nos receptores a partir das 19 horas, conservando os mesmos 60 minutos de missão. O motivo da alteração estava patente: Enquanto o programa funcionou entre as 20 e as 21 horas os cinemas, os campos desportivos, não faziam receita. O povo trocava de bom grado a hora informativa dá Rádio África Livre por quaisquer espécies de diversão, sedento de ouvir a verdade, tão afastada ela andava da vida moçambicana após a Independência.
Chocavam-se opiniões sobre a identidade dos organizadores do programa, que, a breve trecho, passou a saber-se não estar ligado a nenhum dos movimentos políticos então conhecidos, contrários ao socialismo despótico de Samora Machel.
O que ninguém afirmava, nem supunha, nem opinava, era o que na realidade acontecia: A Rádio África Livre era uma iniciativa de dissidentes da Frelimo — guerrilheiros, comandantes e até antigos membros influentes do Partido — à qual aderiram alguns redactores moçambicanos exilados na Rodésia e a maioria do povo moçambicano.
O indicativo do programa popularizou-se, e, insensivelmente, o povo trauteava-o na rua, esquecido de que esse procedimento era uma auto-denúncia de resistência à Frelimo. O Partido, por seu lado, tudo fazia para silenciar o programa, criando interferências no comprimento de onda em que ele era radio-difundido. E Samora Machel, vítima principal das denúncias radiofónicas, encolerizou-se, procedendo por forma a que deixassem de aparecer no mercado pilhas para os aparelhos receptores, quando, pouco tempo antes, o Departamento de Informação e Propaganda da Frelimo havia preconizado, no seu Seminário, o abaixamento do preço na venda de receptores e a produção acelerada de pilhas — pedido que a «Tudor» local satisfez — para que o povo, analfabeto na sua maioria, tivesse acesso aos noticiários moçambicanos e aos programas do Partido. Mas isso fora resolvido, como é óbvio, antes do aparecimento da Rádio África Livre.
Em todos os estabelecimentos de artigos eléctricos passou a ser afixado, no portal ou nas montras, um dístico, primeiro grotescamente escrito e depois impresso pela própria Frelimo, com os seguintes dizeres: Não há pilhas, tal a procura que repentinamente avassalou o país e a vontade oficial de que o povo não tivesse acesso às verdades da Rádio África Livre. E quando, nos subúrbios das cidades, algum comerciante colocava à venda pilhas adquiridas em candonga no Malawi, logo as autoridades actuavam de forma desumana sobre o prevaricador.
As massas, porém, renitentes no seu desejo de saber a verdade, passaram a juntar-se em grupos nas residências que possuiam receptores eléctricos, sendo interessante verificar a unidade de todas as raças junto aos aparelhos, as observações trocadas, os dichotes de humor que nasciam na boca dos negros, dos mestiços, dos brancos, dos asiáticos, a cada afirmação do locutor da Rádio África Livre.
De um dia para o outro Samora Machel passou a ser denominado em todo O país por magarila — sinónimo de ladrão, de animal de rapina — bastando para tanto que a Rádio África Livre assim o alcunhasse. E nunca, nem nos melhores tempos da Frelimo, Samora Machel foi tão popular no seu país como após o início das emissões, popular como criminoso, como ladrão, como déspota, como sádico, como corrupto, como louco.
Como exemplo mostrarei uma pequena passagem de um desses programas:
«Samora Machel, o magarila, continua a dar exemplos de grandeza, enquanto o povo moçambicano se debate com a fome e a miséria. Não lhe basta, qual peraltino, vestir fatos de Paris e usar sapatos de Londres, apresentando-se em cada reunião, mesmo que mais do que uma se realize no mesmo dia, com indumentária diferente. A sua vaidade vai mais longe. Há dias, na sua viagem a Moscovo, o magarila não aceitou a oferta dos seus patrões do Kremlin, que puseram à sua disposição um avião, e fretou um Boeing à Inglaterra. Como o gigantesco avião era demasiadamente humilde para Sua Excelência o Magarila, mandou-o modificar a seu agrado, tendo-se deslocado ao Maputo um grupo de engenheiros e técnicos estrangeiros, com viagens pagas, vencimentos chorudos, e gratificações. As modificações impostos pelo impostor Magarila ficaram em mil e duzentos contos, tendo sido dispendida quase a mesma importância para restituir o aparelho à sua aparência primitiva, antes de ser devolvido. Samora Machel, o Magarila, desembarcou em Moscovo num Boeing inglês com as cores de Moçambique, gastou o dinheiro do país, mas os seus patrões não se deixaram enganar. Entretanto o povo moçambicano morre à fome...»
E alguns ataques pessoais:
«... Ë verdade, Samora, que a Graça Simbine fez uma experiência matrimonial com o Joaquim de Carvalho? Que cor tem o filho? Não é negro? Então se tu és um negro e a Graça Simbine também é negra, de quem é filho o teu filho? Por que não o mostras ao povo? Por que não dizes de que raça é ele?...»
E criando um clima de desconfiança no grupo dirigente:
«Graves dissidências são notadas pêlos observadores entre o Magarila e o Marcelino dos Santos. Marcelino dos Santos tenta apoderar-se do poder em Moçambique, tendo a colaboração e o apoio de Armando Guebuza...»
E denunciando:
«Samora Machel continua a depositar na Suiça, na sua conta pessoal, grandes quantidades de dinheiro roubado ao povo moçambicano. Prepara-se para fugir, preparando o seu futuro na Europa. Até quando, vocês moçambicanos, se vão deixar roubar pelo Magarila?»
Além de mosaicos como os atrás transcritos, os programas são preenchidos com noticiários, nacional e internacional. E é o povo que, furando a vigilância que o Partido exerce nos serviços dos correios, envia notícias que são transmitidas após haverem sido meticulosamente confirmadas.
A Rádio África Livre, emissora com sede em Salisbúria, na Rodésia, conseguiu levantar em poucos meses todo o povo moçambicano contra a Frelimo, criando um impacto enorme entre as populações portuguesa e moçambicana, incluindo-se nesta última os habitantes do interior que, devido ao isolamento, desconheciam a trágica realidade da independência moçambicana e a perfídia dos dirigentes da Frelimo.
Todas as atrocidades cometidas pelo Partido são denunciadas, ao mesmo tempo que são apontados e desmascarados os portugueses traidores, para que o povo os possa assinalar a dedo. Dessa lista, felizmente não muito longa, foram estrelas numa emissão radiodifundida a 15 de Agosto, e readiodifundida no dia 19 do mesmo mês, os nomes dos criminosos Isaías de Jesus Marrão, de quem já falámos mas que voltaremos a referir nesta Reportagem, de Raul Fernandes, primo do comunista Sérgio Vieira secretário de Samora Machel, e de outros.
Mas muitos mais nomes aparecerão.
24. A RESISTÊNCIA
— VÁRIOS NOMES, A MESMA LUTA
Numa entrevista que me concedeu em 1969, Lázaro Kavandame denunciou a Frelimo como inimiga do povo, como movimento que apenas se interessava pelo sul do país, enquadrado por chefes sulistas que se aboletavam como a melhor parte do bolo que lhes era oferecido pêlos países que capitalizavam a guerra contra Portugal.
Porta-voz dos macondes, importante tribo a que pertence e que o respeita, Lázaro Kavandame colocou-se, a partir dessa altura, ao lado de Portugal, colaborando na propaganda psicológica exercida sobre as regiões mais inacessíveis de Cabo Delgado e do Niassa.
A sua adesão à política portuguesa de então — se adesão se pode chamar à sua atitude — não era por ele considerada traição aos seus ideais de liberdade, à sua definição de democracia, que entendia como o respeito pela vontade das maiorias. Era, isso sim, uma forma de luta contra a Frelimo, após se haver consciencializado de que maiores desgraças cairiam sobre o povo moçambicano com a entrada da Frelimo no país.
Numa luta tenaz contra o tempo — segundo então me afirmou — esperava um volte-face da política portuguesa, que levasse o Governo de Lisboa a reconhecer o direito à liberdade do povo moçambicano, dentro de amistosas relações com Portugal.
Pertencendo a um povo católico — a maioria dos macondes possui nome bíblico — fez frente a Samora Machel após a morte do líder Eduardo Mondlane, sendo detido e enclausurado num campo de trabalho da Frelimo em Mtwara, na Tanzânia, de onde se evadiu, atraindo a seguir ao seu movimento diversos «chairmans» macondes.
Após o 25 de Abril as ideias de Lázaro Kavandane guiaram o seu povo na luta contra a Frelimo, a elas se devendo as insurreições nortenhas já discriminadas, nomeadamente as detectadas nas zonas de Nangololo e de Mazombe, sendo, pois, uma importante arma apontada à sádica política de Samora Machel, tanto mais perigosa quando ela retirava às hordas machelistas a possibilidade de fuga pelo Norte, isolando-as do país que mais tem auxiliado o actual regime moçambicano — a Tanzânia de Nyerere.
Mas os macondes lutam sem Lázaro Kavandame. O chefe transformou-se em mártir, bandeira ainda mais válida no calor da luta que o seu povo trava até à vitória. Lázaro Kavandame, reduzido ao último estado de miséria física, aguarda a morte num campo de torturas da Frelimo, no Niassa, onde também se encontram, como farrapos humanos, Joana Simeão, Uria Simango, e muitas centenas de nacionalistas moçambicanos, traídos pelos assinadores do Acordo de Lusaka e vendidos pelas promessas de garantia do general Costa Gomes.
Recordo a figura digna de Lázaro Kavandame: Franzino, de aspecto patriarcal.
Era óptimo orador na língua «swail», dialecto em que me concedeu a entrevista, fora do olhar atento e perspicaz do seu protector político, o então administrador Nasi Pereira, entrevista que o seu chairman Atanázio traduziu com facilidade para português. Dessa entrevista respigo algumas passagens:
Pergunta — Acusam-no de ter abandonado a Frelimo para fugir ao julgamento, à má administração de bens e de produtos agrícolas da Frelimo, deixados à sua guarda em Cabo Delgado. Essa é a acusação aceite internacionalmente, propagandeada pêlos dirigentes da Frelimo. Existem fundamentos na acusação?
Lázaro Kavandame — A actual direcção da Frelimo não prima por unidade. Pode até dizer-se que todos desconfiam uns dos outros, justificando cada um a sua atitude perante o colega, à sua maneira, com vista a afastar de cima de si responsabilidades. O que aconteceu na altura do meu afastamento da Frelimo, foi eu ter verificado que os ideais do dr. Eduardo Mondlane estavam a ser traídos por Samora Machel e pelo seu grupo. Mesmo no Congresso que nomeou o trio presidencial, após o assassinato de Mondlane — Samora Machel, Marcelino dos Santos e Uria Simango — todos os macondes estavam ausentes e os mais válidos e influentes tinham sido assassinados quando se dirigiam para o Congresso. Deste modo a votação, que mesmo assim permitiu a presença de Simango, não seria favorável a Samora Machel com a presença dos representantes do meu povo. Samora, Marcelino, e o seu grupo, puseram-me fora de combate e justificaram o meu afastamento com o que afirma, convencidos que, ao espalharem essas mentiras, voltavam contra mim os macondes — acusando-me de defraudar o meu próprio povo, visto que a minha actividade estava centralizada em Cabo Delgado — o que na realidade não aconteceu. Os macondes não se iludiram com essas patranhas e continuaram a seguir-me. Eu, para eles, era o verdadeiro chefe. E Samora Machel não teve outro recurso senão o de enclausurar-me e perseguir a minha família — ainda detida em Mtwara — mas a minha fuga encheu de esperança o meu povo, que aderiu imediatamente às minhas directrizes, fugindo à Frelimo.
E em tom convincente:
— Estas minhas palavras podem ser interpretadas como acusações de um dirigente despeitado, mas não são. Eu luto pela liberdade de Moçambique, pela felicidade do povo moçambicano, a felicidade que nunca pode ser encontrada no regime de terror que é apanágio dos actuais dirigentes da Frelimo, eleitos por eles próprios e pelos seus apaniguados sulistas, regime que transportaria para Moçambique. Actualmente o povo moçambicano está em mais segurança protegido pelas autoridades portuguesas do que nas mãos assassinas da Frelimo. A Frelimo de hoje nada tem a ver com a Frelimo que iniciou a guerra contra o colonialismo português.
Estas afirmações de Lázaro Kavandame, viriam a coincidir com as prestadas, bastantes anos depois, pelo dr. Domingos Arouca. A verdade sobre a Frelimo posterior a Eduardo Mondlane aparece, ampliada agora a dimensões mundiais:
«Com a maior dor e o maior desânimo certifiquei-me que não havia qualquer semelhança entre esta Frelimo que ia agora tomar posse do país e o movimento que se lançara generosa e independentemente para a luta sob a liderança de Mondlane. Da Frelimo de base, da programática fundamental do movimento nada restava, só mantinha ainda o mesmo nome que iria emporcalhar na mais abjecta e cruel exploração do povo moçambicano. Aí os nossos caminhos tinham de divergir totalmente: nem eu, nem todo o Moçambique tínhamos nada de comum com aquele grupo que entrava agora no país. Tenho a certeza que a morte de Filipe Magaia e de outros guerrilheiros do seu grupo e a própria morte de Mondlane marcam nitidamente a viragem ideológica dentro da Frelimo.»
Outros nomes se podem, porém, enumerar como adversários da actual Frelimo mas a confrangedora maioria aguarda a morte nos campos de tortura espalhados a esmo pelas terras desérticas do Norte moçambicano, tendo como guardas, além dos mais sádicos carcereiros, os animais da selva que se banqueteiam com os seus corpos precocemente envelhecidos e propositadamente adoentados, quando tentam a fuga. Desses campos, onde também diariamente morrem portugueses, onde os filhos abrem todos os dias covas para enterrar os pais, e os pais os filhos, é-me possível enumerar alguns: Mandimba, Tebamba, Nawá, Nova Freixo, Ludiene, Mabaca, Marrupa, Beira (antiga base militar portuguesa), Luatize, Central, Atisel, Xiconono, Msauíze, etc.
Das vítimas, pela sua influência entre as massas moçambicanas e pêlos importantes cargos que ocuparam na Frelimo, saliento os seguintes:
Uria Simango, presidente interino da Frelimo após o assassinato de Eduardo Mondlane. Expulso do Partido foi mais tarde Secretário dos Negócios Externos da Coremo (Comité Revolucionário de Moçambique). A partir de 25 de Abril de 1974 foi presidente do Executivo do P.C.N. (Partido de Coligação Nacional), movimento político a que todos os partidos de oposição à Frelimo, como único movimento, se juntaram.
Miguel Murupa, dissidente da Frelimo, mais tarde director do jornal «Voz Africana», editado pela empresa do «Notícias da Beira». Encontra-se actualmente no exílio. Foi dos poucos que não acreditaram nas garantias alardeadas pelo general Costa Gomes e abandonou Moçambique, fugindo às desumanas represálias infligidas pela Frelimo a todos os dissidentes do Partido, com o apoio do Exército de Portugal.
Haider e Hanife, antigos dirigentes do G.U.M.O. (Grupo Unido de Moçambique), o primeiro representante daquele partido na cidade da Beira. Entraram ambos para o P.C.N. após o 25 de Abril, o primeiro para o Departamento de Administração e o segundo para o Departamento de Finanças.
Basílio Banda, dissidente da Frelimo e depois secretário-geral do P.C.N.
E muitos outros, que passo a enumerar, todos dissidentes da Frelimo após a morte do dr. Eduardo Mondlane:
Narciso Mbule (Informação e Propaganda do P.C.N.), Mateus Gwenguere (conselheiro político do P.C.N.), Manuel Lisboa (Departamento de Organização do P.C.N.), Paulo Gumane (vice-presidente do P.C.N.), dr. Arcanjo Kambere (secretário dos Negócios Externos do P.C.N.), Joana Simeão, vice-presidente do G.U.M.O. além de centenas, de milhares, senegados ao convívio das massas pela K.G.B. moçambicana.
Mas as suas ideias ficaram. Elas constituem uma razão activa para se construir em Moçambique uma unidade e uma nacionalidade não imobilizada às ideias moscovitas, que se oriente segundo os seus desejos.
Pode-se, deste modo, entender o que na realidade é a Resistência moçambicana, e que o seu líder verdadeiro é o povo moçambicano, guiado pelo espírito nacionalista dos seus mártires. Os líderes, activos ou manietados pela repressão da S.N.A.S.P., da P.I.C. e dos Comissários Políticos, são o povo. A Resistência é, como já foi definida por um político moçambicano, «uma atitude geral de levantamento nacional. E por ser o próprio povo em armas, é dotado de extraordinária flexibilidade. Organiza-se e actua sem demorados preparativos, parecendo que as acções nascem por si mesmas nas zonas mais diversas do país, havendo já diversas faixas e bolsas onde os mercenários da Frelimo não ousam estabelecer as suas bases ou ditar as suas directrizes.
Actua, deste modo, com à-vontade em todo o território, escolhendo, como é óbvio, como zonas principais de actividade, as fechadas à influência frelimista.
A Resistência é o povo, o que leva os dirigentes da Frelimo a afirmarem em todos os discursos, mensagens e comunicados, que o inimigo está em todo o lado, pedindo e ordenando às massas que exerçam a maior vigilância para o detectar, quando, na realidade, são essas mesmas massas o seu inimigo. São essas massas que, corajosamente, vão peando as actividades da Frelimo e encurralando os seus mercenários nas cidades e nas vilas, não os deixando circular nas estradas do país.
O inimigo que está em todo o lado não podem ser os últimos representantes de Portugal, pois a própria Frelimo sabe que o grosso da coluna portuguesa já abandonou Moçambique. Os que ficaram são alguns portugueses optimistas, inofensivos, com a vida miseravelmente destroçada. E os outros, os que fazem parte do pequeno rebanho de traidores ao serviço da S.N.A.S.P., da P.I.C. ou do próprio Partido, grupo que receia, com lógica, não ser bem aceite na comunidade portuguesa do Atlântico.
Pode a Frelimo distorcer a verdade na sua propaganda internacional, acusando a Rodésia. Pode a O.N.U., representada pela figura sem adjectivos de Kurt Waldheim — que não nega o seu namoro a Samora Machel — fingir acreditar nessa fantasista versão. A verdade é que a força que combate a Frelimo é o povo. E Samora Machel sabe que grande parte dos seus quadros apoia frontalmente a Resistência.
Oito destacados membros do «Exército da Frelimo», em Cabo Delgado, foram presos. As prisões foram ordenadas pelo comandante em chefe das Forças Populares em Cabo Delgado, Raimundo Pachinuapa, e pelo Estado-Maior-General, após uma reunião em que foi feita uma análise global da situação naquela área, no período compreendido entre Novembro de 1976 e Março de 1977. Os oito elementos presos foram acusados de exercerem as mais variadas actividades contra a Frelimo e contra a sua linha comunista. São eles: Fernando Macaze, Martins Bandim Veluze e Saul António Madeira, respectivamente, comandante, vice-comandante e comissário político do l.º Batalhão de Porto Amélia (Pemba); Joaquim Mutamanga (mais conhecido por Francisco Andeu), Pedro Camízio e José Alberto Manjate, respectivamente comandante, vice-comandante e comissário político do 2.° Batalhão, em Mocímboa da Praia; Francisco Mutamila e José Tdago, respectivamente, comandante e comandante-adjunto da Companhia de Montepuez.
É desconhecido o local onde foram encarcerados mas sabe-se, entretanto, que reina grande agitação entre os efectivos daquelas unidades militares pela prisão dos seus comandantes.
A Resistência vai porém minando todos os sectores da Frelimo e em Abril de 1977 foram detidos dois destacados elementos da Polícia, Namuco Pedro Chauque e Júlio Menezes, que exerciam funções no gabinete interino do Estado-Maior-General em Cabo Delgado, ao mesmo tempo que no Maputo (Lourenço Marques), três oficiais do Gabinete Governamental de Samora Machel eram também detidos, acusados de sabotagem e insultos à Frelimo. Saliente-se que a ocorrência registou-se imediatamente após a detenção dos comandantes militares de Cabo Delgado.
O pânico apodera-se do grupo machelista, ao constatar que a Resistência penetra nas «Milícias Populares», terrível organização instituída pelo seu regime. E coincidindo com um dos atentados à vida de Samora Machel — 15 de Março de 1977 —, ocorrido em Lourenço Marques (Maputo), e ao rebentamento de diversas minas na Zambézia por viaturas da Frelimo, é detido em Macomia (Cabo Delgado) Sebastião Miguel, comandante das referidas «Milícias Populares» naquela região. A acusação tornada pública foi a de adesão à revolta contra a Frelimo no Norte de Moçambique.
O país está em guerra e nenhum moçambicano se pode considerar excluído, seja quem for, pertença a que tribo pertencer, da autêntica guerra que se impõe levar à vitória, para salvar Moçambique da tragédia. Se assim não fora, até a esperança deixaria de servir de consolo à população moçambicana. A Frelimo é uma doença a nível nacional, mas o povo encontrou na revolta a adequada medicação.
O dr. Domingos Arouca, referindo-se à Fumo (Frente Unida Democrática de Moçambique) activa na resistência moçambicana, afirmaria:
«... compreendo a Fumo como sendo uma atitude geral de levantamento nacional em todos os pontos do território com escassíssimas excepções, em que o único «leader» que existe é um mal-estar generalizado e de ódio contra o opressor que para eles é a Frelimo. Por essa razão as acções de guerrilha e de revolta em Moçambique primam pela sua espontaneidade, sem quaisquer planos sistemáticos ou uma organização detectável. Brotam aqui e ali, nas cidades ou nas aldeias e naturalmente muito mais no mato, sendo dificilmente controláveis porque não dependem de quaisquer auxílios exteriores, mas muitas vezes até das próprias armas que tiram aos soldados da Frelimo em emboscadas constantes. O que está também a acontecer é que os próprios soldados e comandantes da Frelimo, e isto quase sempre quando são moçambicanos, se aliam com o povo na sua revolta natural contra o actual governo que lhe impuseram. Claro que a Frelimo tem meios para sufocar alguns destes levantamentos, fuzilando ou mandando para os campos de concentração centenas de pessoas de uma só vez, mas não pode com certeza matar todos os moçambicanos ou meter todos dentro de campos de concentração e extermínio.»
Dementado, Samora Machel vê o problema de outro modo e busca medicamentos extremos, sabendo que a verdadeira solução lhe foge por a sua causa estar perdida. Deste modo, referindo-se às constantes adesões dos nortenhos à Resistência, grita num recente discurso na cidade da Beira:
«Os revoltosos são tribalistas, são primitivos. Não falamos deles. São primitivos, esses. Não discutimos, são primitivos. Vivem o estado de javalismo. Todos os tribalistas são javalis. São representantes do javalismo. Ouviram?»
Continuando a referir-se aos «agentes da reacção», o ditador viria a afirmar:
«Vigilância. A reacção está a organizar-se. Estejamos preparados para rechaçar o avanço do inimigo, que será violento, brutal, desumano. E penso que já começou. Em algumas províncias já recomeçou. O inimigo para actuar necessita dos seus representantes internos. Ouviram?... Estão aqui os pides. Estão aqui, não estão?... Estão ou não? Muitos... Há aqui antigos membros da A.N.P. Estão aqui. Parece que a reacção agora, aqui na Beira, primeiro tinha medo um pouco, quando a Frelimo chegou, primeiro quis corromper a Frelimo, quis fazer da Frelimo seu instrumento. Em nome da Frelimo quiseram matar a Frelimo. Infiltraram-se na Organização da Mulher Moçambicana, infiltraram-se nas fábricas, infiltraram-se no aparelho do Estado e fizeram da escola base para a planificação.»
«Se é a reacção que avança vai ganhar. Depende de quem for o primeiro a avançar... Estiveram nas nossas escolas muitos reaccionários aqui na Beira. Ë ou não é?... Nas escolas secundárias, sobretudo. Com o inimigo castigamos. Cavalo--marinho com o inimigo. Para o inimigo, cavalo-marinho. Foi assim que fizemos com alguns reaccionários aqui na Beira. Prendemos, levámos para os campos de reeducação. Ouviram?... Desapareceram das escolas alguns. Mas agora não faremos isso. Prenderemos todos os reaccionários e puni-los-emos em público aqui no estádio. Ouviram reaccionários? Serão julgados aqui no estádio, os grandes reaccionários. Porque querem impedir o povo de tomar o poder. E a Beira, como centro do nosso país, que foi centro da reacção, terá de ser o centro de difusão da revolução.»
«Começaram a mudar de nacionalidade, agora. É uma táctica. Segundo, fugiram do Governo alguns, agora. Vão para as empresas privadas. Mas nós queremos lá também grupos de vigilância. Serão descobertos. Ouviram, reaccionários?»
E este discurso, pronunciado na Beira em Abril de 1977, termina com a demonstração clara e pública do temor do chefe ditador comunista e do real avanço em todos os sectores da actividade no país da Resistência Nacional Moçambicana:
«Portanto queremos apelar para a elevação do nível de vigilância contra os reaccionários. Denunciar qualquer agente que apareça. Nas escolas, nas aldeias, nas cidades, nos bairros, na produção, nas lojas do povo, nas bichas. Em toda a parte encontramos inimigos. E é preciso esmagá-los. Temos que esmagar o inimigo ainda no ovo. Não permitir que saiam pintainhos... É assim que nós os tratamos. Ë ou não é?... Ë assim que a prática nos mostrou como tratar o reaccionário.»
Aos apelos desesperados do ditador Samora à vigilância contra a Resistência do povo moçambicano, esta responde, conforme se pode ler no seu comunicado divulgado no mês de Julho de 1977:
«É PRECISO RESISTIR!
Irmãos moçambicanos: Como vocês, nós também estamos cansados de sermos espancados, presos, torturados e roubados pela Frelimo; já decidimos: Que a única solução é resistir, com todos os meios, aos traidores que nos tiraram a liberdade. Viemos para o mato, deixámos as cidades e vilas, para combater a Frelimo, pela força das armas.
Podemos passar sede e fome, mas temos a liberdade, e lutamos para que todos os moçambicanos também se libertem. Somos a Resistência Moçambicana. Não temos chefes para se aproveitarem da fama, na Europa. Não temos belas fardas ou bandeiras. Somos, como vocês, cansados do domínio da Frelimo. Queremos ser livres e lutaremos para que isso aconteça.
Tu também passas a ser um membro da Resistência a partir do momento em que recuses uma informação à Frelimo, escondendo um companheiro perseguido pela Polícia repressiva de Samora, o grande traidor dos moçambicanos. Não dês ouvidos aos «Grupos Dinamizadores», esses mentirosos que enganam as populações. Enfim, faz tudo o que puderes fazer para que o domínio absoluto e cruel dos terroristas assassinos da Frelimo não encontrem ajuda dos irmãos moçambicanos.
Resistir é:
AREIA NOS TANQUES DE GASOLINA
PREGOS NAS ESTRADAS
ARVORES TOMBADAS NAS PICADAS
PONTES DESTRUÍDAS
ARMAS ESCONDIDAS, ARMADILHAS, EMBOSCADAS, ETC.
Mostra que és moçambicano, que queres a Liberdade! Junta-te à Resistência Moçambicana! Ainda seremos livres! Coragem!
Unidos Venceremos! Viva a Resistência!»
25. OUTRA FORMA
DE RESISTÊNCIA INTERNA
Ganhei muitas horas em longas conversas com o comandante Machava, da Frelimo. Figura franzina e de aspecto apagado, disfarçava a verdadeira lucidez de pensamento que possuía.
Procurava-me amiudadas vezes em Tete, em lugares pouco frequentados por gente afecta à Frelimo, e os nossos encontros prosseguiram na Beira, num minúsculo armazém que também servia de copa a um apagado restaurante.
Sentávamo-nos sobre caixotes, bebíamos e conversávamos durante horas, e foi dos mais válidos professores que possui sobre quanto diz respeito à Frelimo.
Desvendava-me segredos, definia-me claramente as suas opiniões, e por diversas vezes me testemunhou uma saudade sentida por não mais estar ligado a Portugal, falando-me do Brasil e da plataforma que Portugal e Moçambique deveriam ter procurado para repetir o milagre luso-brasileiro. Dedilhava com clarividência todas as pautas da História de Portugal e falava das terras atlânticas que conhecia, com manifesto carinho, com verdadeira paixão.
O comandante Machava não exercia nenhum cargo operacional na Frelimo, mas a sua influência elevava-se acima dos mais altos cargos. A sua amizade ao dr. Eduardo Mondlane, de quem fora companheiro de todas as horas durante largos anos, prosseguia no carinho à viúva do dirigente assassinado, Janet Mondlane, agora a ocupar, no Governo de Samora Machel, o cargo de Directora dos Assuntos Sociais, a nível nacional.
Para os filhos do dr. Eduardo Mondlane, o comandante Machava havia sido, desde que nasceram, uma espécie de amigo, de aio, de irmão, e com eles permaneceu na Suiça quando o dirigente nacionalista comandou pessoalmente o movimento de libertação em Moçambique. Com eles ficou nas duras horas de luto, sendo, para verdadeiros militantes nacionalistas, para aqueles que só agora, terminada a luta com Portugal, entendiam as mudanças sinuosas da política do Partido, um monumento vivo, representativo dos primeiros anos da Frelimo.
O comandante Machava era, por conseguinte, contrário às ideias comunistas dos seus dirigentes e mostrava-me claramente a sua opinião, dando-me como exemplo a vida de alguns países africanos independentes, onde a população branca era em maior número e mais feliz do que antes da Independência, mercê de uma política acertada dos respectivos governos.
Nos princípios de moral era intransigente e só a posição impar que gozava dentro dos quadros da Frelimo, e que lhe era oferecida por uma mistura de respeito e de medo, lhe resguardava a vida. Apresento, para melhor o retratar, um exemplo:
Para criação, em moldes mais efectivos, dos serviços de assistência policiais na província de Sofala, Janet Mondlane presidiu na Beira a uma reunião, em Junho, de, 1976, com os dirigentes e quadros do Corpo de Polícia de Moçambique e da P.I.C. O comandante Machava acompanhou-a, ocupando silenciosamente um dos lugares do ex-Auditório e Galeria de Arte, local onde o encontro decorria. Finda a sessão, Janet Mondlane afirmou:
— Parece-nos que não há mais nada a tratar. O comandante Machava que sempre esteve calado não tem nada a dizer?
Os presentes olharam na sua direcção com curiosidade, perante as deferências que a madame — tratamento com que distinguem a viúva do primeiro líder da Frelimo — tratava o velho guerrilheiro. E o comandante Machava falou.
Disse que se sentia envergonhado por estar numa reunião onde a maioria da assembleia era composta por ladrões, por homens sem escrúpulos e sem moral. Afirmou que ao se pensar em assistência se devia olhar e assistir os perseguidos, os desprotegidos. E perante o espanto colectivo, continuou:
— Estão lá fora dezenas de automóveis de luxo. «Peugeots», «Mercedes» e outras marcas valiosas. Algum dos que os conduziram até aqui pode mostrar documentos da sua propriedade, visto que não são do Governo nem das corporações a que pertencem?
E aproveitando o silêncio total que as suas palavras causaram, afirmou que todos aqueles luxuosos carros haviam sido criminosamente roubados aos portugueses, e que estes os haviam adquirido com o esforço do seu trabalho.
Falou das perseguições a que os brancos estavam sujeitos desde a entrada da Frelimo nas cidades, e do luxo que as forças policiais ostentavam na sua vida privada e nos seus lares. Verberou com veemência o comportamento de quantos ali estavam presentes, e ninguém, nem Janet Mondlane, o interrompeu ou desmentiu.
A verdade, porém, é que também ninguém o aplaudiu mas, a partir desse momento, a actuação de rapina da P.I.C. e do C.P.M. passou a ser mais cuidadosamente disfarçada.
Nessa mesma tarde eu mantenho um dos meus contactos habituais com o comandante Machava e manifesto-lhe o meu regozijo pela sua atitude. Ele desabafa:
— Como sabe eu resido no Macuti. Há poucos dias saí da cama mais cedo e dei uma volta pelo bairro. Passei por uma residência que sabia que a proprietária estava no Sul e vi uma camioneta a carregar móveis, geleiras, um fogão. Abordei os carregadores e verifiquei que eram todos da polícia. O moleque fora comunicar que a senhora tinha ido para o Maputo e não regressara e os policiais imediatamente se apropriaram de todo o recheio da casa. Claro que eu não consenti...»
E concluindo:
— A pobre da senhora tinha ido à capital em tratamento. Imagine a surpresa que lhe estava reservada ao regressar... Ora eu estava farto de saber tudo isto e as altas estruturas também sabem. Mas eu tinha que desabafar...»
Mas de muitos outros casos tinha o comandante Machava conhecimento e alguns levei eu até ele, nas nossas demoradas conversas. Recordo-me nomeadamente de um:
O nome da vítima é Aires Fonseca, homem natural de Portugal, com cerca de trinta anos de vivência em Moçambique. Ali casara com uma moçambicana que lhe deu nove filhos.
Foi oficial do Exército de Portugal e serviu como administrativo a Organização Provincial de Voluntários, mas, essencialmente, era um agricultor. Trabalhou uma importante propriedade hortícola e um arrozal no Matundo e possuía dois edifícios em Tete, um deles com cerca de uma dezena de moradias.
Tudo lhe foi roubado.
Os imóveis foram-lhe arrebanhados pela lei das nacionalizações e a sua propriedade— onde ele e os familiares labutavam de sol a sol — foi primeiro invadida por populares sequiosos de se aproveitarem de terra já trabalhada e a seguir namorada por forças policiais — C.P.M. e P.I.C. — ambas interessadas em a adquirir gratuitamente, pois nenhuma delas lembrou, nem ao de leve, a possibilidade de indemnização.
Mas, saliente-se: Isto aconteceu com Aires Fonseca a residir em Moçambique, não dando à polícia a acomodatícia justificação de abandono.
Como não lhes bastasse o saque, um posto de vendas em construção pré-fabri-cada, que possuía no Mercado Municipal para venda dos seus produtos hortícolas, foi ocupada sem seu conhecimento. Participou o desmando à P.I.C. sem que a participação resultasse. O usurpador do posto de vendas, que custara a Aires Fonseca cerca de cem mil escudos, era irmão do presidente da Câmara Municipal de Tete, de nome Corda e amigo do inspector da P.I.C.
Esse abuso, prática vulgaríssima dos policiais e autoridades moçambicanas, levei ao conhecimento do comandante Machava num dos nossos clandestinos desabafos. Mas não tive conhecimento de qualquer sua actuação.
Um outro elemento da minha confiança — comandante de talabarte da Frelimo — era também meu confidente. Por ele tinha conhecimento dos resultados do trabalho de limpeza ao cérebro de que o Presidente Samora Machel estava a ser cobaia pelo grupo marxista do Partido, resultados que eram palpáveis nos seus discursos e nas suas atitudes. Esse comandante, que para sua segurança não divulgo o nome, alarmava-se de dia para dia com o procedimento dos dirigentes da Frelimo.
Como o comandante Machava, não representava nenhuma corrente política e ainda possuía em comum com ele o desejo de preservar a ordem social e barrar a evolução de Moçambique para o liberalismo e para a anarquia. Tanto um como outro declinavam a ocupação de papéis de executantes da verdadeira justiça que ambicionavam para Moçambique, e aguardavam com ansiedade o momento que lhes proporcionasse, como em 1964, colocaram-se inteiramente ao dispor do seu país, integrando-se sob o verdadeiro mando do povo.
Com ele falei sobre a Fumo. Com ele discuti, e nem sempre estávamos de acordo, sobre a Rádio África Livre. De tudo quanto lhe contava guardava segredo, pois sabia que o seu silêncio não era traição ao seu povo, pois traição às massas e ao Partido era o procedimento e as ideias dos actuais dirigentes. Mas também por ele tomei conhecimento de factos que sei que até hoje não foram por ninguém revelados.
Quem dirigiu os militares portugueses a Wiriamu, ao «massacre» que serviu de ponta de lança à propaganda anti-portuguesa, encetada com sucesso pelo padre Hastings?
Quem os guiou num pequeno «Volks Wagen», protegido por aperradas armas até ao acesso da picada e os acompanhou até ao local?
Quem assassinou, após o 25 de Abril, o seu serviçal, conhecedor do seu segredo, para que a sua criminosa atitude não fosse divulgada aos dirigentes da Frelimo?
O seu nome é Raul Frechaud Fernandes, primo carnal de Sérgio Vieira, um dos homens que dirige e automatiza Samora Moisés Machel.
— Mas a Frelimo não sabe isso? — interroguei-o.
— Eu próprio informei o comandante José Moiane e ele como comandante provincial não procedeu. O velho afirmou que atitudes antigas eram para esquecer. Eu creio que ele não quer tocar na família de Sérgio Vieira... — respondeu-me.
Raul Frechaud Fernandes, mestiço asiático, é dirigente do Departamento Distrital da Frelimo de Informação e Propaganda. Mas apenas ocupa esse cargo após a Independência. Possuía uma pequena cantina comercial de onde o povo de Wiriamu se abastecia. Desse povo veio a adquirir os meios de fortuna que hoje possui, pois lhe furtava o gado que vendia a militares portugueses em candonga.
Colaborou no assassinato do povo moçambicano que mais intimamente lhe esteve ligado mas hoje é um dos dirigentes do Partido. O povo, porém, sabe que os seus inimigos de ontem são os de hoje. São seus inimigos desde que as teorias e as atitudes do dr. Eduardo Mondlane foram silenciadas pelo deflagrar de um livro armadilhado.
Fonte:http://www.macua.org/livros/4PARTE.htm
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