Escrito por Francisco Carmona
-“Fomos escorraçados e tratados como cães”, Nelo Cossa, jornalista do Magazine Independente
- “Angola não merece assumir a presidência da SADC até que o país consiga resolver o seu défice democrático interno”, Sociedade Civil
-“Apelamos à serenidade e não à diabolização do povo angolano”, Manuel Mendes,
presidente da Casa de Angola em Moçambique
A detenção seguida de expulsão de dois jornalistas moçambicanos e 17 líderes e activistas da sociedade civil em Luanda está a provocar uma onda de protestos e a indignar diversos sectores da sociedade moçambicana e organizações mundiais que advogam a favor da liberdade de imprensa e de expressão.
Desde 11 de Agosto as autoridades angolanas têm estado a obstruír as actividades da sociedade civil planeadas em torno da 31ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da SADC que termina esta quinta-feira em Luanda.
Os serviços de migração do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro em Luanda recusaram a entrada de dois jornalistas moçambicanos e 17 activistas e líderes da sociedade civil da África Austral. Apreenderam publicações pertencentes a activistas da sociedade civil do Zimbabué. As autoridades angolanas não apresentaram nenhuma explicação plausível para estas acções.
Esta situação voltou a reacender o debate das dificuldades migratórias na SADC, numa altura em que a palavra de ordem é a integração regional. Os activistas da sociedade civil deslocavam-se a Angola para tomar parte de uma série de actividades à margem da cimeira da SADC.
Jornalistas expulsos por problemas de Estado
Aos dois jornalistas moçambicanos foi lhes recusada a entrada no território angolano, sob alegação de que têm “problemas de Estado”. Trata-se de Joana Macie, jornalista do jornal notícias, principal diário do país, e Nelo Cossa, Chefe de Redacção do Magazine Independente, um semanário privado editado em Maputo.
Os dois, que pretendiam entrar pela primeira vez em Angola, faziam parte de um grupo de cinco jornalistas moçambicanos que iam a Luanda participar de um seminário organizado pela Gender Link e pelo Centro de Formação de Jornalistas (CEFOJOR), uma instituição governamental. Aliás, foi esta última instituição que emitiu a carta-convite, documento que foi determinante para a obtenção de visto na embaixada angolana em Maputo.
No entanto, outros três jornalistas (Hermínia Machel da TVM, Francisco Carmona do SAVANA e Orlando Ngovene da Rádio Moçambique) não tiveram problemas apesar de todos (5) terem obtido vistos na embaixada angolana em Maputo sob as mesmas condições. Todos estavam no mesmo voo (SA54). Apenas entraram três que estavam nos primeiros lugares da fila. Dois foram barrados pelos zelosos agentes de migração no Aeroporto 4 de Fevereiro.
Numa primeira justificação para o impedimento, as autoridades de migração do Aeroporto alegaram um “problema de Estado”. Mas quando convidado a clarificar o que é “problema de Estado”, um oficial de migração declinou entrar em detalhes alegando que a questão estava a ser tratada ao nível superior.
Várias tentativas feitas pelos três jornalistas que passaram a fronteira e Eduardo Namburete, director da Gender Link, em Moçambique, junto da embaixada moçambicana em Luanda e no Ministério do Interior angolano no sentido de se desbloquear a situação redundaram em fracasso.
Mas quando o assunto foi despoletado na Rádio Ecclésia, uma emissora ligada à Igreja Católica, o Governo angolano começou a desdobrar-se em explicações.
Simão Milagres, porta-voz da Direcção de Emigração, sublinhou que os dois jornalistas moçambicanos não tinham vistos, o que é mentira. Os vistos dos cinco jornalistas moçambicanos foram obtidos na embaixada angolana em Maputo, contra um pagamento de USD100 e documentos emitidos pela CEFOJOR.
“Fomos escorraçados e tratados como cães. Sob ameaça com armas de fogos fomos levados a um autocarro que nos conduziu até ao avião”, disse Nelo Cossa, jornalista do Magazine Independente.
Estado policiado
O controlo cerrado em Luanda é de tal ordem que vários hotéis na capital angolana foram orientados para fotocopiarem passaportes e fornecerem, numa base diária, dados relevantes dos hóspedes aos serviços de migração.
Um funcionário de um dos hotéis da capital disse que se trata de uma “medida de segurança” imposta pelas autoridades de migração. “Se não obedeces levas uma pesada multa”, lamentou.
Regime manda cancelar conferência
Os activistas expulsos iam participar na 7ª Conferência da Sociedade Civil. Esta conferência estava a ser coordenada pelo Fórum das Organizações Não Governamentais Angolanas (FONGA). A Conferência foi cancelada em sinal de protesto, mas uma fonte do FONGA garantiu ao SAVANA que foi por ordens do regime.
Este evento acontece a cada ano, na véspera da Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da SADC, uma iniciativa que visa colher subsídios das organizações não governamentais, com propósito de contribuir e/ou influenciar as decisões dos governantes.
“Angola não merece assumir a presidência da SADC até que o país consiga resolver o seu défice democrático interno, falta de transparência e contínua repressão de vozes da sociedade civil”, sublinharam os líderes das organizações da sociedade civil da África Austral filiadas na Apex Regional em comunicado.
Dos cerca de 20 activistas expulsos à sua chegada a Angola conta-se uma cidadã americana, Doreen Francis Stabinsky, residente na Zâmbia. Chegou quarta-feira e recambiada dia seguinte para a Zâmbia.
Sexta-feira passada as autoridades angolanas retiveram Loveness Kuda Nyakujarah, da Gender Link, que também foi expulsa no dia seguinte, depois de ter passado 24 horas no aeroporto em condições deploráveis.
Em Luanda comenta-se que o regime de José Eduardo dos Santos estava a barrar a entrada de activistas ao país, num esforço para evitar embaraços. É que na passada quarta-feira, a OSISA- Open Society Initiative for Southern Africa-organizou uma conferência com a participação de vários sectores da sociedade civil, onde a questão de vistos de entrada foi duramente criticada, o que terá irritado o regime.
Ao que o SAVANA apurou, o Governo havia orientado as autoridades migratórias para que permitissem a entrada de participantes aos vários eventos à margem da cimeira sem grandes sobressaltos.
Mas o quadro terá sofrido profundas mudanças, depois das duras críticas ao Governo feitas na Conferência organizada quarta-feira pela OSISA.
Na Conferência, Isaac Elias, director da Open Society-Angola, notou que as autoridades angolanas, deviam dar provas de um “tratamento mais humanizado à população da região”, abrandando excessos de burocracia nos vistos. Na conferência da OSISA sublinhou-se que Angola não estava preparada para assumir a presidência rotativa da organização. Apelaram aos líderes da região a não entregar a presidência a Angola.
O regime de Luanda é conhecido pelas excessivas limitações que impõem ao exercício da liberdade de imprensa e expressão, apesar das evidentes garantias constitucionais sobre esta matéria.
“TOMAMOS CONTA DO SUCEDIDO”,
Henrique Banze
Na voz do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Henrique Banze, o governo moçambicano reagiu com cautelas ao incidente de Luanda e diz não ter ainda elementos suficientes para tirar as conclusões do que efectivamente esteve por detrás do recambiamento dos dois jornalistas.
Banze fez notar que o governo já tomou nota do sucedido com os jornalistas Joana Macie e Nelo Cossa, impedidos de entrar em Luanda e posteriormente recambiados, por motivos ainda não claros.
Porém, o Secretariado Executivo do Sindicato Nacional de Jornalistas e o MISA-Moçambique, manifestaram o seu repúdio e indignação pelo sucedido.
Em comunicados separados, os dois consideram as medidas tomadas um exagero e desnecessárias e atentam contra a dignidade dos jornalistas e do povo moçambicano, pelo que devem merecer os devidos esclarecimentos.
“As autoridades angolanas agiram de forma intimidatória ao colocarem em causa a sua integridade física, colocando a polícia nacional, daquele país, para os escoltar até ao avião sob ameaça de uso de força aquando da exigência das bagagens e passaportes”, sublinha o MISA-Moçambique.
“O argumento segundo o qual os referidos jornalistas não dispunham de vistos de entrada, tornado público posteriormente pelas autoridades de migração angolanas, é de todo descabido e destituído de qualquer senso, visto que os passaportes em posse dos visados vem neles estampado o respectivo visto de entrada”, nota o comunicado do SNJ.
“O Secretariado Executivo do SNJ condena de forma enérgica este acto de prepotência e arrogância desnecessárias por parte das autoridades de migração angolanas, e espera que a bem das relações de amizade e irmandade que unem os povos dos dois países sejam dados os devidos esclarecimentos”.
Fonte: SAVANA
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