Lázaro Mabunda
Essencialmente, a explanação de Jorge Rebelo sobre os dirigentes que são corridos por serem honestos transmite-nos a ideia de que esses dirigentes, como Eneas Comiche, foram vítimas da sua própria transparência e honestidade, num país de “irónicos”.
O antigo ministro de Informação dos governo de Samora Machel, Jorge Rebelo, e a esposa de Samora Machel, Graça Machel, mostram-se traídos pelos seus companheiros da Luta de Libertação Nacional. Em palestra alusiva aos 24 anos da morte de Samora Machel, esta semana, organizada pelo Parlamento Juvenil, Jorge Rebelo disse não entender as razões por que as pessoas honestas são “corridos” do Governo. Graça, por sua vez, disse que com Samora não havia corrupção. “O Governo é uma entidade abstracta. Dentro do governo existem ministros, vice-ministros, directores nacionais... alguns destes estão a enriquecer à custa do povo. Mas há também gente séria. O que me preocupa é ver esses sérios e honestos a serem corridos de lá. Conheço, por exemplo, o Dr. Ivo Garrido e sei que não é corrupto, nem está associado à corrupção. Mas foi corrido do Governo. Eu não percebo porquê? Conheço, também, o Dr. Eneas Comiche, e sei da luta que desenvolveu no Conselho Municipal visando acabar com esquemas de corrupção... ele também foi corrido”. E quando questionado sobre as possíveis razões de “gente honesta” ser corrida, Rebelo apenas indicou quem deverá responder: “perguntem ao Chefe do Estado (Armando Guebuza)”. Mais: recordou que, em mensagem fúnebre na morte de Samora Machel, o Comité Central da Frelimo “jurou combater a corrupção”, dizendo: “comprometemo-nos a apontar as armas também para dentro. Saberemos neutralizar aqueles que enriquecem com a miséria”.
Ora, 24 anos depois, não só as armas de combate à corrupção desapontaram, como também foram enterradas dentro da própria Frelimo. Consequentemente, o combate à corrupção é mero discurso político, um tiro para o ar para dispersar as ameaças e controlar a riqueza. O Comité Central não só jurou que jamais irá combater a corrupção, como também jura, hoje, que os dirigentes da Frelimo têm o direito natural de enriquecer, porque lutaram para libertar o país do colonialismo. (Vide os devedores do Estado nas contas gerais do Estado). Os pronunciamentos de Alberto Chipande, a 4 de Agosto do ano passado, só vieram provar esta tese: “E se forem ricos (os dirigentes da Frelimo), qual é o mal? Afinal de contas não foram os mesmos que trouxeram a independência de que vocês estão a usufruir?”.
Essencialmente, a explanação de Jorge Rebelo sobre os dirigentes que são corridos por ser honestos transmite-nos a ideia de que esses dirigentes, como Eneas Comiche – que saudades dele! –, foram, na verdade, vítimas da sua própria transparência e honestidade, num país de discursos irónicos, em que quando nos dizem que vamos combater a corrupção, estão a dizer-nos, na verdade, que a corrupção não será combatida; em que quando nos dizem que “estamos a fragilizar a pobreza”, estão, na verdade, a dizer-nos que “a pobreza está a fragilizar-nos”; em que quando nos dizem que “Cahora Bassa é nossa”, estão a dizer-nos, na verdade, que Cahora Bassa ainda não é nossa, e que só será nossa “quando fazermos um investimento de 1.8 bilião de dólares, da espinha dorsal”; em que quando nos dizem que os que se manifestaram nos dias 1 e 2 de Setembro são marginais e vândalos, estão a reconhecer que, na verdade, aqueles são marginais porque foram colocadas à margem do circuito de distribuição de riquezas; em que quando nos dizem que “a subida de preços é irreversível”, estão a dizer que irão baixá-los. Mais ainda: os pronunciamentos de Jorge Rebelo e de Graça Machel trazem-nos a ideia de que os honestos são corridos por transgredirem os novos códigos de conduta interna e ética do partido, que de defensor de homens firmes no combate à corrupção – incorruptíveis – passou a defensor do direito a “enriquecimento a todo o custo” dos seus membros, porque libertaram o país. Esta última causa não pode ser traída por um grupinho de honestos, alguns dos quais sequer estiveram no campo de batalha contra o colono. Revela-nos, acima de tudo, o nível de união existente no partido, em que o trabalho (ilícito) em equipa está acima de qualquer individualismo (honesto). Entende-se. A ordem, em qualquer trabalho em equipa, é: “se é para roubar, roubamos todos; se é para matar, matamos todos; se é para morrer, morremos todos”. Quem não simpatiza com a ordem, é porque está contra ela. Se está contra ela, é porque é uma ameaça. Se é uma ameaça, então, tem que ser, no mínimo, definido o seu rumo.
Jorge Rebelo diz, ainda, que os jovens, hoje, se debatem com a falta de referências. “Olham à volta, vêem ou ouvem dizer que foram roubados 14 milhões USD no BCM; que Carlos Cardoso e Siba-siba Macuácua foram assassinados porque conheciam e podiam identificar os bandidos; que um ministro utilizou dinheiro do seu ministério para pagar bolsas de estudo dos filhos no estrangeiro (...)”. Com razão. É por isso que a guerra e o sonho de qualquer jovem, sobretudo na Frelimo, é conseguir ser nomeado dirigente ou conseguir assento no Comité Central do partido. Não podem ser nossas referências pais que roubam e matam para nos ensinar e alimentar.
Ainda esta semana, um relatório de auditoria da Eurosis, feita ao sector agrário em Moçambique, trouxe constatações interessantes: o sector agrário, considerado base do desenvolvimento socioeconómico, tem sido mal gerido, daí a razão de quatro ministros em seis anos do consulado de Armando Guebuza. (Veja a minha última opinião).
O PAÍS – 23.10.2010
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