Monday, March 1, 2010
Poder Tradicional impõe-se na Beira
Editorial
Na Beira, os régulos estão a pôr desesperada a administradora da cidade, Cremilda Sabino, porque eles se recusam a serem reconhecidos por ela, uma vez que já foram reconhecidos pelo presidente da autarquia. Agindo assim, os régulos estão a voltar a ter a autoridade que historicamente tiveram, e que a Frelimo sempre lhes negou depois da independência, só a reconhecendo muito mais tarde e depois de terminada a guerra civil empreendida pela Renamo.
O exemplo que os régulos da Beira estão a dar, na óptica de quem só tem reconhecido o poder consuetudinário para dele tirar proveitos eleitorais, é um “mau exemplo”. Esse dito “mau exemplo” está, no entanto, a ganhar volume.
No resto do país, os régulos começam a estar atentos ao que se passa na Beira. É um dado novo que pode estar a surgir no xadrez político nacional.
“Não sei efectivamente o que se passa com as autoridades tradicionais desta cidade. Tudo temos feito, há mais de um ano, para reconhecê-los, mas nada acontece. Por vezes, indicam claramente que não estão interessados. Marcamos encontro mas não aparecem. Às vezes aparecem e, na hora das cerimónias, levantam-se e vão-se embora”, disse a administradora do distrito da Beira, que tem exactamente a mesma área do Município da Beira, Cremilda Sabino, a um semanário do país.
Sucede que a administradora da Beira foi nomeada e não eleita, e o Município da Beira, como as outras autarquias, tem autonomia, tal como está determinado na Constituição.
Como se comentou insistentemente na altura, Cremilde foi nomeada para “atrapalhar” o exercício de funções pelo edil Daviz Simango, eleito em 2008 por uma maioria de mais de 60% dos eleitores, e que está actualmente no seu segundo mandato. Desta vez como independente. Posteriormente foi criado o MDM de que é agora também seu presidente.
Em 2007, a 20 de Agosto, a Beira completou um século de existência. Nas celebrações da efeméride, os régulos foram reconhecidos pelo Conselho Municipal da Beira (CMB), em acto promovido pelo já então edil da cidade, Daviz Simango. Receberam fardamentos, insígnias, telemóveis, motorizadas.
São hoje reconhecidos como elementos imprescindíveis à governação da autarquia. Têm com o Conselho Municipal da Beira relações cordiais e muito frutuosas. A cidade tem beneficiado imenso desta relação, e a Frelimo tem claramente ciúmes de Daviz Simango por ele ter conquistado o apoio do Poder Tradicional. O Conselho Municipal, aliás, tem contribuído com acções que agradam tanto às autoridades tradicionais como à população dos diversos bairros. Percebe-se, pelos resultados eleitorais, que Daviz Simango, ainda que hostilizado pela Frelimo, conseguiu cativar os régulos. Cremilde, para mostrar serviço, está a impedir que na Beira se trabalhe pelo desenvolvimento. Prefere andar a promover sarilhos.
A dupla administração tem sido a arma que a Frelimo tem tentado usar para destronar os presidentes dos municípios em que perde. Usa o poder central para encontrar artifícios que lhe permitam enganar as populações. Fê-lo com Alfredo Matata, na Ilha de Moçambique, e com Chale Ossufo, em Nacala-Porto, que foram antigos administradores daqueles municípios e que, presentemente, desde as últimas eleições autárquicas, são presidentes dos respectivos municípios. Depois de serem administradores do Estado, a Frelimo acabou por apresentá-los como candidatos a presidentes dos respectivos municípios.
Cremilda tem tentado ir pelo mesmo caminho. Contudo, na Beira, os régulos já lhe entenderam o jogo e, pelos vistos, não querem perder quem, em cerca de seis anos, já fez mais pela cidade do que aqueles que por lá andaram a fazer das suas, entre outras a vender terrenos a seguradoras, como foi o caso provado de Lourenço Bulha (ex-presidente da Assembleia Municipal da Cidade e ex-secretário provincial da Frelimo), assunto em relação ao qual, até hoje, a Procuradoria Geral da República tem estado a fazer vista grossa, apesar de haver manifestamente matéria criminal.
Com o cenário de rejeição a que os régulos da Beira a votaram, a administradora já entrou a ameaçar. Informou verbalmente o régulo do Nhangau que ele não será mais régulo, por incompatibilidade das funções de régulo com as de deputado da Assembleia Provincial de Sofala pelo MDM. Foi o próprio régulo de Nhangau que contou a um jornalista. Ele continua, contudo, a ser régulo e membro da Assembleia.
“A legitimação da estrutura tradicional cabe à família e à comunidade de Nhangau e não às estruturas administrativas”, frisou o régulo Njanje, que fala de interesses políticos por detrás da coacção. É o Poder Tradicional a conquistar o seu quinhão de poder.
Os régulos estão, assim, a fazer história. O exemplo da Beira pode pegar.
Estão a dar um contributo ímpar para a construção da Democracia que, desde Atenas, na Grécia Antiga, é um termo que significa Poder do Povo.
Em Atenas, era o povo que exercia o poder directamente, até que, nos tempos modernos, esse poder passou a ser exercido por representantes eleitos pelo próprio povo. E, tendo sido eleito para a Assembleia Provincial de Sofala, o régulo do Nhagau alargou a sua legitimidade. Enquanto isso, a administradora da Beira anda à procura de incompatibilidades que a lei não prevê. No seu exercício, entretanto, não vê a promiscuidade que existe entre cargos públicos e actividades privadas
exercidas em instalações do Estado e com meios do Estado, na sua área de jurisdição. Não vê o ilícito que é certos dirigentes do Estado na Beira usarem os meios do Estado para fins privados e para uso indevido pela Frelimo. Isso não vê. Não há notícia de que esteja a ver onde o Estado deve de facto ser defendido.
A lição que os régulos da Beira estão a dar-lhe devia servir-lhe de lição. Mas parece não ter capacidade para o entender. Os outros régulos de Moçambique vão entender, primeiro do que ela, que o Direito Consuetudinário é para se respeitar, aliás porque até é reconhecido por Lei. Os régulos são representantes dos seus súbditos e têm legitimidade por natureza. Tendo até já sido investidos pelo presidente da autarquia, na Beira, não vêem razões para que alguém esteja a querer meter o nariz, numa zona autarcizada, e em que a própria lei prevê que seja o presidente do município a dirigir os processos locais.
Os régulos estão a impor-se em defesa da Lei, como aliás acreditam que lhes compete, não só como régulos, mas sobretudo como cidadãos.
Os régulos estão a recusar-se a entrar em politiquices e fazem muito bem, porque há tantas coisas necessárias para serem feitas na Beira, que as brincadeiras da Senhora Dona Cremilde já os cansam.
A Constituição da República de Moçambique determina que o Estado respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locais. E já quanto à autoridade tradicional, determina, no seu Artigo 118, no ponto 1, que o Estado reconhece e valoriza a autoridade tradicional legitimada pelas populações, e segundo o direito consuetudinário. Determina que, na sua actuação, os órgãos locais do Estado respeitam as atribuições, competências e autonomia das autarquias locais. Determina também que os órgãos locais do Estado garantem, no respectivo território, sem prejuízo da autonomia das autarquias locais, a realização de tarefas e programas económicos, culturais e sociais de interesse local e nacional, observando o estabelecido na Constituição, nas deliberações da Assembleia da República, do Conselho de Ministros e dos órgãos do Estado do escalão superior.
Pelo que se está a ver, parece que a senhora administradora da Cidade da Beira não leu a Constituição. Anda aparentemente a criar confusão, em vez de deixar as pessoas trabalharem para o essencial, que é o combate à pobreza absoluta, como tem dito, aliás, o Chefe do Estado. Pelos vistos, a D. Cremilde ainda não interiorizou a mensagem do Presidente da República. É pena! Ou então o presidente do seu partido, Armando Guebuza, tem um discurso para fora e outro para dentro. (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 01.03.2010
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