A actual situação política em Moçambique apresenta dois factores, referenciados do antecedente, mas agora considerados “em acentuação” – razão pela qual assessments de origem diversa associam aos mesmos mais elevado potencial de instabilidade: A saber:
– Divisões internas e/ou tensões na FRELIMO e seu regime, incluindo instituições- chave no plano da defesa e segurança (Forças Armadas, Polícia, SISE).
– Mal estar e descontentamentos na população, em especial nas cidades, alimentados por causas sociais e políticas.
As divisões no regime constituem, em larga escala, prolongamentos no tempo de conturbações registadas no período da “sucessão” do anterior Presidente da República, Joaquim Chissano, pelo actual, Armando Guebuza. O facto é interpretado como demonstrativo de que Guebuza ainda não conseguiu impor-se nos planos político e institucional.
Adversários de Guebuza consideram “resultados negativos” da sua governação evidências comumente notadas na situação em Moçambique, tais como as desigualdades sociais e elevada taxa de pobreza na população; corrupção e promiscuidade entre o exercício de cargos públicos e negócios privados; desprestígio externo do país.
A contestação interna a Guebuza congrega predominantemente uma ala conotada com Chissano, descrita como “chissanista”; figuras individuais como Graça Machel, Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo; e sectores ainda influentes como o dos veteranos ou “antigos combatentes” da FRELIMO.
2 . Nos seus esforços para se impor, Guebuza e a ala em que se apoia fazem uso de procedimentos considerados contraproducentes, por não terem em conta influências intactas de Chissano no regime, bem como a maior popularidade de que o mesmo e personalidade a ele ligadas gozam na sociedade em geral.
Entre os referidos procedimentos é especialmente apontado o favorecimento de indivíduos da confiança de Guebuza, ou com ele conotados, para o preenchimento de cargos públicos e/ou oportunidades de promoção económica e social – assim destinados a constituir uma vasta base do poder.
Um ex-MNE da época de Joaquim Chissano, Leonardo Simão, é referido num telegrama da embaixada dos EUA no Maputo, divuldado pela WikiLeaks, como tendo dito ao então encarregado de negócios, Todd Chapman, numa conversa em casa deste, que o poder organizado por Armando Guebuza denota carácter “mafioso e corrupto”.
Todd Chapman, ao qual era usualmente reconhecida uma visão crítica do actual regime da FRELIMO, comentou o episódio com considerações tais como a de que tão contundentes críticas da parte de um dirigente histórico da FRELIMO à actual liderança, eram sinal da existência de cavados descontentamentos internos.
O forcing com que em termos de nomeações de quadros do partido, escolhidos conforme a sua lealdade, Guebuza tentou melhorar a relação interna de forças entre a sua ala e a de Chissano, conduziu a efeitos nefastos em instituições críticas como as Forças Armadas, Polícia e no próprio SISE (serviços secretos).
3 . Joaquim Chissano é notoriamente mais popular que Armando Guebuza. Na primeira vaga de protestos populares ocorrida no país, 2008, foi ovacionado pelos manifestantes – que, ao contrário, desdenharam de Armando Guebuza e suas políticas. Chissano beneficia de atributos como mais simpatia natural, comedimento político e integridade moral.
A superior reputação de Chissano e de figuras com ele identificadas no regime e na sociedade, esta considerada em geral, é a razão de ser de parte das dificuldades com que Guebuza lida para reforçar o seu poder; reverte geralmente a crédito de Chissano o que não é bem sucedido a Armando Guebuza.
O prestígio externo de Joaquim Chissano converteuse igualmente num factor condicionador da afirmação de Guebuza, constrangendoo mais do que seria sua vontade a coexistir com a ala “chissanista”. A sua aquiescência a nomeações como a de Tomaz Salomão, SG/ SADC, foi ditada pela conveniência de não afrontar Chissano.
Guebuza tem sido também prejudicado pela ideia generalizada de que “está metido” nos negócios, ele próprio, familiares seus e homens de negócio a ele ligados, tirando partido de poder e influências do cargo que exerce. É corrente que os seus apoios estão confinados ao grupo de “endinheirados do regime”.
4. Em coincidência temporal com a liderança de Guebuza e porventura no interesse estrito do reforço/ consolidação do seu poder, a FRELIMO retomou métodos de organização postos de lado ou esvaziados no seguimento da liberalização política a que o fim do sistema de partido único deu lugar.
Esses métodos têm, em geral, vindo a ser restaurados, conforme nota um relatório do MARP-Mecanismo Africano de Revisão de Pares. A separação entre o Estado e a FRELIMO é mais ténue agora; a filiação partidária é determinante no preenchimento de lugares; as oportunidades em termos de negócios dependem de ligações à FRELIMO.
Por exemplo, voltou a haver permissão para organizar células do partido nos locais de trabalho, em especial em organismos do Estado, do mesmo modo que as contribuições (quotas) partidárias podem de novo ser descontadas directamente nas folhas de salários e encaminhadas para o destino canais oficiais.
O principal ónus da linha de endurecimento da FRELIMO recai largamente em Armando Guebuza e na sua ala; o fenómeno é instintivamente associado no senso comum a interesses estritos de controlo do poder pelo actual PR – o que também contribuiu para aproximar sociedade da ala “chissanista”, esta considerada mais aberta.
As manifestações populares de protesto de 2008 (depois em 2010) foram as primeiras registadas em toda a África; a ousadia nelas referenciada foi considerada própria de uma sociedade, que apesar de incipientemente organizada, ganhara consciência cívica e política (incompatível com a actual rigidez política).
5 . O líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, faz amiúde advertências públicas no que toca a preparações para regressar à guerra. As ameaças, desvalorizadas pela sua sistemática inconsequência prática, têm ultimamente sido objecto de interpretações que lhe conferem importância noutro aspecto.
O intento de Dhlakama, de acordo com tais interpretações, não é propriamente o de levar por diante a sua ameaça, mas apenas agitar a gravidade nela implícita como forma de chamar a atenção da comunidade internacional e a levá-la a pressionar a FRELIMO a reconsiderar condutas adoptadas desde o início do mandato de Guebuza.
A comunidade internacional, em especial a agrupada no G-19, cujos apoios anuais ao orçamento são vitais para o equilíbrio das contas públicas, tem não só capacidade para pressionar o regime, como o faz frequentemente e com resultados positivos, em aspectos como o combate à corrupção, aperfeiçoamento das leis, etc.
Em privado, mas também em público, Afonso Dhlakama queixa-se de que o regime limitou drasticamente o seu diálogo com a RENAMO desde a retirada de Joaquim Chissano. Ilustra a afirmação com a revelação de que nunca teve uma audiência privada com Armando Guebuza, ao contrário da assiduidade com que contactava com Joaquim Chissano.
O diálogo entre Chissano e Dhlakama era decorrência do AGP, com cujo bom êxito ambos estavam comprometidos. Presentemente, a direcção da FRELIMO e o Governo alegam que o AGP chegou ao seu termo, nada mais havendo a negociar/tratar entre os dois partidos.
As ameaças de Dhlakama parecem induzidas por convicções próprias de que a FRELIMO se fechou ou radicalizou a sua linha política (diz que a “herança socialista” é a que novamente mais predomina na governação de Moçambique), como forma de “abafar” a oposição, o que vê como um perigo para a estabilidade.
Em conversas com diplomatas e personalidades internacionais, Dhlakama queixase especialmente de “discriminações” verificadas nas desmobilizações, estipuladas pelo AGP, de efectivos das antigas FAM e da Renamo; acresce que também os oficiais oriundos das RENAMO integrados nas FA, são tratados com desigualdade de critérios.
6 . Nos últimos três anos têm ocorrido nas FA mudanças consideradas ditadas pela conveniência de reforçar a ala de Guebuza, mas que de facto romperam com anteriores equilíbrios vitais à sua coesão, em especial uma certa paridade entre oficiais oriundos do N e os do S – estes agora mais numerosos e influentes na hierarquia.
As clivagens étnicas e regionais que marcam cada vez mais a luta política são consideradas uma “evidência perigosa”. O discurso de Dhlakama explora actualmente a tónica de uma alegada marginalização das tribos do Norte e Centro pelas dos Sul, estas formalmente mais conotadas com a FRELIMO.
No quadro da presente situação política, os referidos assessments consideram o surgimento de retóricas e práticas de inspiração tribal ou regional como factor propiciador de melindres e rivalidades susceptíveis de desagregar a sociedade e ameaçar a estabilidade interna.
Fonte:Correio da Manha/ Moçambique para Todos
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