PARTIDOS políticos da oposição mostraram-se ontem solidários às manifestações realizadas nos últimos dois dias nas cidades de Maputo e Matola por considerarem que as reivindicações feitas são legítimas e oportunas, embora condenem veementemente os actos de violência, destruição e pilhagem que se verificaram um pouco por todo o lado, durante o levantamento.
Para as nossas fontes, nada justifica os actos de violência que, de acordo com dados preliminares avançados pela Polícia da República de Moçambique, resultaram em seis mortos, dezenas de feridos, para além de devastação e saque de lojas, estações de serviços, apedrejamento de viaturas, dentre carros privados e de transporte público de passageiros, entre outros.
De acordo com os políticos abordados, o Governo que ontem se reuniu em Conselho de Ministros Extraordinário, deve tomar medidas imediatas visando estancar a “subida galopante do custo de vida”, particularmente no que respeita ao custo dos produtos de primeira necessidade, como é o caso do pão, arroz, farinha, energia eléctrica, água, sabão, entre outros.
DESEMPREGO É O PROBLEMA – AFIRMA MIGUEL MABOTE, DO PT
Para o Partido Trabalhista, o problema que está por detrás das violentas manifestações é o desemprego e não a subida de preços dos produtos básicos. De acordo com o líder desta formação política, Miguel Mabote, o desemprego está a degradar cada vez mais o nível de vida dos cidadãos, pois, segundo disse, numa família de dez pessoas apenas uma é que trabalha. “E, para essa pessoa, o agravamento dos preços, que é normal em qualquer parte do mundo, torna mais difícil a gestão familiar. Agora, se nessa família pelo menos cinco pessoas trabalhassem, a situação seria mais fácil para todos”, disse.
Depois de reconhecer a legitimidade da manifestação, Miguel Mabote condenou as cenas de vandalismo, caracterizadas pela destruição de lojas, bombas de gasolina, carros particulares e dos serviços públicos, afirmando que tal atitude apenas atrasa mais o desenvolvimento individual e colectivo dos moçambicanos.
Segundo este líder político, o importante é fazer com que as manifestações sejam movimentos pacíficos, que tragam uma mensagem clara e objectiva do que se pretende. “Muitos sectores afirmam que esta manifestação não tem rosto, não tem liderança, daí o Governo não ter com quem negociar. Neste tipo de levantamentos o importante não é quem está à frente, porque à frente estão todos aqueles que sentem cada vez mais dificuldades de se alimentar, vestir ou possuir um tecto para viver”, afirmou.
Acrescentou que para se resolver este tipo de situações “o Governo não tem que negociar nada, mas anunciar medidas de efeito imediato para estancar o agravamento de preços”.
Na ocasião, Mabote fez questão de lamentar o facto da maior parte das pessoas que aderiram à greve ser desempregada e não trabalhadores.
FALTA VISÃO REALISTA – REFERE RAUL DOMINGOS, PDD
Raul Domingos, líder do Partido para a Paz e Democracia e Desenvolvimento (PDD), referiu que o Governo moçambicano deve ter uma visão realista do que é a situação política, económica e social do país de forma a evitar este tipo de situações.
Segundo ele, o Executivo, que ontem se reuniu, deveria ter já realizado tal encontro de modo não só a analisar a situação social e económica do país, como também para identificar medidas preventivas para que este tipo de manifestações não ocorra.
“A falta de uma visão realista da situação faz com que o Governo não tenha sensibilidade em relação aos problemas nacionais. A esta questão, devemos associar a forma arrogante que o Governo sempre demonstrou ao lidar com assuntos de natureza social, sobretudo com os que tocam directamente as pessoas mais carenciadas. Tudo isto vai, sem dúvidas, desaguar nesta situação: manifestações violentas porque as pessoas acabam se saturando. Os moçambicanos estão saturados da maneira como vivem”, frisou o antigo número dois da Renamo.
Para Domingos, Moçambique ainda não goza de liberdades democráticas básicas, como, por exemplo, o direito à manifestação ou à liberdade de prática de actividade política. “Como exemplo, temos o caso de Afonso Dhlakama, que logo que falou de realizar manifestações pacíficas foi cercado pela Força de Intervenção Rápida (FIR). O mesmo aconteceu com Hermínio, o líder dos desmobilizados de guerra, este último chegou, inclusive, a ser preso”, elucidou.
Raul Domingos não só lamentou a violência gerada na manifestação, como também a actuação do Governo que, segundo disse, é o principal culpado por a situação ter chegado a este extremo. “É claro que estamos num país anormal, daí que as populações não terem confiança nas instituições, daí que saem para a rua e fazem elas mesmo a sua luta. Os sindicatos não são credíveis, se não seriam eles a liderar este tipo de movimentos”, disse.
Sobre o que pode acontecer daqui para frente no país, o nosso interlocutor afirmou que, antes de tudo, o Governo deve acalmar a situação com medidas concretas de impacto imediato, medidas que tranquilizem os cidadãos no seu dia-a-dia; depois, deve trabalhar para que o país regresse a uma vida normal, o que inclui o facto de o Presidente da República, Armando Guebuza, passar a ser o Presidente dos Moçambicanos e não do partido Frelimo, “como sempre demonstra ser”.
“O Governo deve, igualmente, garantir o exercício das liberdades consagradas na Constituição. O país deve gozar de uma efectiva liberdade de pensamento e de criação, pois só assim é possível todos colaborarem para o desenvolvimento do país porque a continuarmos assim não tarda que haja levantamentos piores do que este”, referiu para depois apelar medidas de austeridade por parte do Executivo de Armando Guebuza.
LAMENTÁVEL MAS LEGÍTIMA – CONDENA JOSÉ MANUEL DE SOUSA, MDM
O Movimento Democrático de Moçambique (MDM), na voz do seu porta-voz, José Manuel de Sousa, acha que as manifestações realizadas quarta e quinta-feira nas cidades de Maputo e Matola são legítimas embora o partido de Daviz Simango condene veementemente a onda de violência que as caracterizaram.
“O MDM considera que os manifestantes têm toda a legitimidade legal e constitucional para realizarem os protestos contra a subida dos preços dos bens essenciais, como energia, água e pão. Contudo, o partido lamenta a onda de violência que caracterizou a reivindicação porque não é destruindo escolas, carros e roubar armazéns que vamos fazer valer os nossos direitos”, afirmou o porta-voz do “galo”.
José Manuel de Sousa fez questão de referir que o MDM, a nível da Assembleia da República e noutros fóruns nacionais, tem alertado para a ocorrência deste tipo de situação devido ao que chamou de subida galopante de preços de tudo no país. Aliás, a fonte referiu que um dos indicativos para a ocorrência deste tipo de situações “é o facto de o salário mínimo nacional não corresponder cada vez mais com o nível de preços que se praticam no mercado nacional”.
Como forma de se ultrapassar estes problemas, José Manuel Sousa propõe que o Governo, primeiro, deve encetar negociações com todos aqueles que se encontram envolvidos nesta questão, nomeadamente, sindicatos e outros tipos de organizações socioeconómicas de defesa dos direitos dos cidadãos.
“Por outro lado, devem ser adoptadas políticas públicas de efeito imediato com vista a estancar a subida galopante de preços, principalmente de produtos básicos. Aliás, o Governo conseguiu, na altura das eleições, encontrar solução para estancar a subida do preço de combustível. Conseguiu arranjar dinheiro para subsidiar o combustível. Onde está esse dinheiro hoje? Porque é que não usa medidas idênticas para o pão, a energia ou a água?”, questionou José Manuel de Sousa.
OTM NÃO É CREDÍVEL – CONSIDERA FRANCISCO CAMPIRA, DO CPDM
O Centro de Promoção da Democracia Multipartidária (CPDM) considera que a revolta popular, marcada pela violência em alguns casos, é resultado da falta de credibilidade das instituições e organizações de defesa do trabalhador, com destaque para a Organização dos Trabalhadores de Moçambique (OTM-Central Sindical).
De acordo com Francisco Campira, líder da organização que engloba mais de 32 partidos políticos, esta situação faz com que os populares quando têm algo a reclamar o façam pessoalmente, através daquilo que consideram ser o maior meio de chamar atenção de quem de direito, as manifestações de rua.
Tal como outros entrevistados, Campira condenou a onda de violência que está a caracterizar estes levantamentos populares mas reconheceu ser a única forma de chamar atenção ao Governo para os problemas da maioria.
“Se calhar foi devido às manifestações de quarta-feira que o Presidente da República veio a público falar e convocar o Conselho de Ministros para discutir a crise que se está a instalar no país”, disse.
Segundo ele, é necessário que a OTM-Central Sindical deixe de se “atrelar” ao Partido Frelimo e trabalhar em prol dos seus filiados, defendendo os seus direitos e promovendo o seu bem-estar.
“Por outro lado, é necessário que o Governo deixe se instalar o sindicato dos trabalhadores da função pública, pois este é mais um instrumento de implementação e desenvolvimento da democracia. Este será mais um interlocutor válido para as negociações entre o Governo e a massa laboral. A nível da Constituição da República este tipo de agremiação profissional está previsto. O Governo é que anda a retardar a sua institucionalização”, afirmou Francisco Campira.
De acordo com a fonte, o Executivo de Armando Guebuza deve empenhar-se imediatamente no sentido de resolver, o mais cedo possível, o problema da alta de preços porque a nível internacional os preços do petróleo e outros produtos começa a cair.
“É verdade que é preciso produzirmos comida e outros bens essenciais, mais o Governo tem de criar condições para que o camponês não só produza, como possa escoar a sua produção para os centros urbanos e outros centros comerciais”, enfatizou o líder do CPDM.
Fonte: Jornal Notícias - 03.09.2010
Publicada por Reflectindo em 11:06 AM Enviar a mensagem por e-mail Dê a sua opinião! Partilhar no Twitter Partilhar no Facebook Partilhar no Google Buzz
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