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Thursday, March 17, 2011

Governo empenhado em esvaziar causas de descontentamento popular

SEGUNDO CONSTATAÇÃO DE UMA REFLEXÃO DE UM GRUPO DE RELIGIOSOS

- Analistas políticos nacionais, alguns dos quais ligados á FRELIMO, consideram que o clima social, descrito como sendo de "saturação e descontentamento", apresenta um elevado grau de propensão a protestos e revoltas, com a agravante de não haver plena confiança de que a Polícia esteja em condições de manter a ordem pública

XAVIER DE FIGUEIREDO *

Um grupo de sacerdotes católicos da congrega­ção dos Padres Brancos concluiu, no termo de uma reflexão interna sobre a actual situação social e politica em Moçambique, que existe um risco real de desestabilização do país devido a descontentamen­tos provocados pelas precá­rias condições de vida da maioria da população.
O moderador do grupo foi o Padre Jean-Pierre Scour, que presentemente missiona na Paróquia dos Libombos. É comumente reconhecido como competente observa­dor das realidades moçam­bicanas, que conhece bem; teve uma participação especial no processo negocial que levou em Outubro de 1992 á conclusão do AGP com a RENAMO.

Os Padres Brancos têm antigas tradições em Moçambique como voz critica de desigualdades e injusti­ças. Na fase final da admi­nistração portuguesa do território chegaram mesmo a ser expulsos, devido a denúncias púbicas que então promoveram de aspectos do sistema vigente.

O ponto de vista predo­minante na reflexão dos sacerdotes é o de que as diferenças sociais e eco­nómicas se têm acentua­do, com a agravante de a pobreza, que atinge parte substancial da população, ter aumentado: ao contrário, a elite tem prosperado - criando um fosso notório entre ambas as camadas. Uma avaliação sobre a situação no país, de origem diversa, conclui que tam­bém há sentimentos de des­contentamento na classe média. É apontado o caso concreto de jovens gestores e quadros de empresas pú­blicas que têm sido preteridos em processos de privatiza­ção ou de reestruturação das mesmas do interesse directo da elite política.

Os bispos católicos de Moçambique também mani­festaram na sua última Carta Pastoral “sérias preocupa­ções” em relação aos dese­quilíbrios sociais e a ineren­tes riscos de crises internas. O episcopado moçambicano é, em geral, independente e frontal nas suas tomadas de posição sobre a situação no país.

2. Os governantes e res­ponsáveis políticos deixam transparecer preocupação “fora do comum” face á eventualidade da ocorrência no país de manifestações de protesto semelhantes às de 2008/2010; temem que as mesmas, acicatadas por ra­zões de conjuntura (contágio de revoltas no Norte de Áfri­ca), possam vir a ter dimen­são superior.

O PR, Armando Guebuza, é apontado como o diri­gente aparentemente mais preocupado - atitude remetida para a "informação privilegiada de que dispõe”. Al­gumas medidas vistas como inevitáveis, mas de efeitos presumivelmente nocivos, entre as quais um aumento dos preços dos combustíveis, têm vindo a ser proteladas por sua própria influência.

O Governo tem garantido que manterá por tempo indefinido todas as medidas de austeridade e o congelamento de preços adoptado no res­caldo dos protestos sociais de 01/02Set.2010. Há dúvidas fundadas, porém, de que os subsídios do Estado des­tinados a manter os preços de gasóleo e bens de primeira necessidade possam conti­nuar.

Os doadores internacionais têm vindo a reduzir as suas contribuições para o Orça­mento do Estado, além de que, conforme reconheceu o ministro da Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, o actual quadro da situação é agravado por factores adicionais como a alta dos preços dos combustíveis e dos ce­reais no mercado internacio­nal.

Analistas políticos nacio­nais, alguns dos quais liga­dos á FRELIMO, consideram que o clima social, descrito como sendo de “saturação e descontentamento”, apresenta um elevado grau de propensão a protestos e revoltas, com a agravante de não haver plena confiança de que a Policia esteja em condições de manter a ordem púbica.

3. 0 Governo tem anuncia­do políticas e planos destina­dos a prestar mais atenção aos sectores agrário, agroindustrial e mineiro, que passaram a ser prioritários na estratégia de desenvolvimento económico e social de Mo­çambique. A nova orientação é reflexo de pareceres e recomendações como as seguin­tes:

- O agravamento da pobreza em Moçambique é essencialmente decorrente da diminuta atenção que a agricultura tem merecido da parte do Governo nos últimos 15 anos em termos de in­vestimento público e de me­didas destinadas a atrair investimento privado.

- A actual estrutura eco­nómica, baseada em grandes projectos industriais, está desligada da realidade e não corresponde a exigências ele­mentares de melhoria das condições de vida da popula­ção; não gera emprego nem rendimento.

Peritos de instituições como o BM, BIRD, FMI, BAD e outros defenderam pontos de vista favoráveis a um rápido desenvolvimento da agricultu­ra numa conferência recente em Maputo. A agricultura pre­dominante no país, do tipo familiar ou de subsistência, também está sob ameaça de projectos de biocornbustiveis.

Na época da administração portuguesa a agricultura era, a par dos transportes e comu­nicações, um dos mais dinâ­micos sectores da economia. O território tem condições consideradas privilegiadas para a agricultura, entre as quais aptidão dos solos, abun­dância de água e clima.

* In Africa Monitor Inteligence

CORREIO DA MANHÃ – 17.03.2011

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